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Documentos vazados mostram que Uber violou leis e pressionou governos

Método da empresa era arranjar encontros não oficiais para chegar ao poder, aplicando influência por meio de amigos ou intermediários

Por Matheus Deccache
11 jul 2022, 17h09

Documentos vazados pelo lobista irlandês Mark MacGann, que trabalhou na equipe principal da Uber entre os anos de 2014 e 2016, ao jornal britânico The Guardian, mostram que a empresa americana cometeu crimes, explorou e incentivou a violência contra seus motoristas e violou as leis de diversos países. 

A reportagem obteve acesso a 124.000 documentos que expõem as práticas ilegais e eticamente questionáveis da gigante de tecnologia. O vazamento corresponde ao período de cinco anos no qual o seu cofundador, Travis Kalanick, foi administrador, tentando atingir serviços de táxi ao redor do mundo, mesmo que isso significasse infringir leis e mudar as regulamentações do serviço de transporte. 

De acordo com as mensagens, durante sua rápida expansão na década passada, a Uber tentou reforçar o apoio dos governos cortejando de maneira discreta primeiros-ministros, presidentes, bilionários e oligarcas de vários países, com a plena consciência de que estava violando leis e quebrando regras, inclusive com a confissão de altos executivos da empresa. 

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Segundo MacGann, ele foi responsável por forçar a entrada da gigante do Vale do Silício nos mercados, supervisionando as tentativas de persuadir os governos a mudar os regulamentos de táxi e criar um ambiente de negócios mais favorável em mais de 40 países da Europa, África e Oriente Médio. 

“A abordagem da empresa nesses lugares era essencialmente quebrar a lei, mostrar o quão incrível era o serviço da Uber e depois mudar a lei. Meu trabalho era passar por cima das autoridades da cidade, construir relações com o mais alto nível do governo e negociar. Foi também para lidar com as consequências”, disse o lobista ao The Guardian

Logo que começou a trabalhar para a Uber, em 2014, MacGann disse já ter notado como a empresa lida com a privacidade. Ao chegar em Londres, ele enviou um e-mail a um executivo sênior dizendo que estava preso no trânsito, tendo recebido a resposta de que estava sendo observado. 

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Se tratava da ferramenta “Heaven” – ou “God View” –, que permitia aos funcionários usarem clandestinamente a tecnologia do aplicativo para monitorar em tempo real os movimentos de qualquer usuário do mundo. Em comunicado, a Uber disse que ferramentas como essa foram descontinuadas em 2017 e que “nunca deveriam ter sido utilizadas”.

De uma maneira geral, os governos viam com bons olhos a entrada da gigante de tecnologia em seus mercados, vendo a empresa como uma nova plataforma inovadora capaz de permitir um trabalho flexível e ajudar a reiniciar as economias após a crise financeira.

No entanto, a história aconteceu diferente na França, durante o governo do então presidente François Hollande.

De um lado, estava o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, que chegou a ameaçar o lobista de prisão caso ele não encerrasse as atividades em território francês. Do outro, Emmanuel Macron, então ministro da economia de postura pró-tecnologia e pró-negócios que, segundo o vazamento, se tornou uma espécie de arma secreta para a Uber.

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Os dados incluem trocas de mensagens entre os dois, que contaram com pedido de ajuda durante uma batida no escritório e até a reclamação de uma proibição dos serviços da empresa americana em Marselha. 

Foi nesse contexto que os taxistas franceses realizaram atos de manifestação contra os novos serviços de transportes, o que causou pouca comoção por parte dos executivos. Em uma troca de mensagens, Kalinick rejeitou as preocupações de outros funcionários de que enviar motoristas do Uber para um protesto na França os colocaria em risco de violência de oponentes furiosos no setor de táxi. Em resposta, o então líder da companhia disse que “valeria a pena, uma vez que a violência garantiria o sucesso”.

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Procurado pela reportagem, um porta-voz de Kalinick disse que “nunca sugeriu que a Uber deveria tirar vantagem da violência em detrimento da segurança do motorista” e qualquer sugestão de que ele estivesse envolvido em tal atividade seria completamente falsa.

O vazamento mostra também que Macron continuou ajudando a empresa durante seu período como ministro da Economia, permitindo à Uber acesso frequente e direto a ele e membros da sua equipe. O esforço foi tal que o atual presidente francês teria dito que havia feito um “acordo” secreto com seus oponentes no gabinete francês.

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Além de Macron, MacGann se reuniu com uma série de outros políticos influentes do mundo, como o atual chanceler alemão, Olaf Scholz. Enquanto ainda era prefeito de Hamburgo, ele se opôs aos lobistas da Uber e insistiu em pagar um salário mínimo aos motoristas.

O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também é citado e teria sido procurado pelos executivos da empresa quando ainda era vice-presidente do governo de Barack Obama. Segundo o jornal, ele se reuniu com Kalanick durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, fazendo com que o americano mudasse seu discurso. Na ocasião, Biden se referiu a um CEO cuja empresa daria a milhões de trabalhadores “liberdade para trabalhar quantas horas quiserem, gerenciar suas próprias vidas como quiserem”.

O encontro em Davos, inclusive, é descrito pelo lobista como um caminho para um “namoro rápido para elites”. Além de Biden, executivos da empresa se reuniram com ex-comissários da União Europeia, com o ex-ministro do Trabalho do Reino Unido, o então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o ex-chefe de governo irlandês, Enda Kenny. 

Hoje avaliada em mais de US$ 43 bilhões, a Uber realiza mais de 19 milhões de viagens por dia e foi responsável por demolir o serviço de táxi em cidades de mais de 40 países espalhados pelo mundo. Financiada com capital de risco sem precedentes, a gigante de tecnologia subsidiava viagens pesadamente, seduzindo motoristas e passageiros para o aplicativo com incentivos e modelos de preços que não seriam sustentáveis.

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A Uber minou os mercados estabelecidos de táxis e pressionou os governos a reescrever leis para ajudar a pavimentar o caminho para um modelo de trabalho baseado em aplicativos que desde então proliferou em todo o mundo. De acordo com os documentos, foi planejado um gasto de mais de US$ 90 milhões em 2016 com lobby e relações públicas para reprimir reações contra a empresa.

O modus operandi consistia em encontrar caminhos não oficiais para chegar ao poder, aplicando influência por meio de amigos ou intermediários, ou buscando encontros com políticos nos quais assessores e funcionários não estavam presentes. Desse modo, conquistou o apoio de figuras poderosas em lugares como Rússia, Itália e Alemanha, oferecendo-lhes participações financeiras premiadas na startup e transformando-as em “investidores estratégicos”.

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Além disso, houve também uma tentativa de moldar os debates políticos, com o pagamento a acadêmicos proeminentes para a produção de pesquisas que apoiassem as alegações da empresa sobre os benefícios de seu modelo econômico.

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