Em um ensaio de 2014, o escritor espanhol Javier Marías respondeu a uma pergunta que não queria calar — por que escrevia romances? A resposta: “Escrevê-los permite ao romancista viver boa parte de seu tempo instalado na ficção, seguramente o único lugar suportável”. A ele parecia inviável, sobretudo nos dias atuais, levar a vida dentro de um smartphone, na ágora descontrolada das redes sociais, onde pululam “fofoqueiros e detratores, indivíduos ressentidos, ociosos, e malignos, que com frequência procuram prejudicar os outros para combater sua frustração e sua mediocridade”. Marías seguia no avesso dessa constatação, com uma prosa elegante, a um só tempo seca e emotiva, em que nem mesmo uma única vírgula parece fora do lugar.
Um dos mais celebrados autores contemporâneos espanhóis, escreveu dezesseis romances, entre eles Coração Tão Branco, Os Enamoramentos, Assim Começa o Mal e a trilogia Seu Rosto Amanhã. Seus livros foram traduzidos para mais de quarenta idiomas — ele mesmo, aliás, foi um respeitado tradutor. Uma de suas editoras, Pilar Reyes, revelou o método de trabalho sempre discreto de Marías. “Ele nunca falava de seus livros enquanto os escrevia, dizia ter começado algo, mas não sabia se levaria a algum lugar”, afirma Reyes. “Mas se tinha um primeiro parágrafo, tinha um romance encaminhado. O primeiro parágrafo de seus romances tem tudo, embora ele mesmo se identificasse mais como um escritor com uma bússola do que com um mapa, descobria suas histórias na medida em que avançava.” Eis, portanto, as linhas iniciais de Coração Tão Branco: “Eu não quis saber, mas soube que uma das meninas, quando já não era menina e não fazia muito voltara de sua viagem de lua de mel, entrou no banheiro, pôs-se diante do espelho, abriu a blusa, tirou o sutiã e procurou o coração com a ponta da pistola do próprio pai, que estava na sala de almoço com parte da família e três convidados”. Marías morreu em 11 de setembro, aos 70 anos, em Madri. Havia contraído uma pneumonia.
O sumiço do capitão
Em março de 1989, o petroleiro americano Exxon Valdez colidiu com arrecifes na baía Príncipe William, no Alasca. O resultado foram 42 milhões de litros de óleo derramados nas águas geladas do Pacífico Norte — em um dos mais vergonhosos acidentes ambientais da história. As cenas de pássaros mortos, cobertos de piche, comoveram o mundo. O erro foi atribuído ao comandante do navio, Joseph Hazelwood. Supostamente embriagado, ele tinha deixado o leme a cargo de um imediato. Hazelwood seria condenado a pagar multa de 50 000 dólares e 1 000 horas de trabalho comunitário. Nunca admitiu a culpa pelo episódio. Em uma entrevista concedida em 2009, ele pediu desculpas aos habitantes do Alasca, mas deixou a dúvida no ar: “A verdade não é tão vendedora e tampouco é fácil”. Mais não disse. Ele morreu aos 75 anos em Long Island, de complicações de um câncer e Covid-19, em 22 de julho — mas a notícia só foi divulgada na semana passada.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807