Em 2007, José Oscar Gómez pensava que faria o bem para o seu país: era hora de denunciar a corrupção dentro da Marinha da Argentina. O então suboficial trabalhava como chefe de segurança do estaleiro onde ocorreu a reforma do ARA San Juan e havia percebido que as relações dos fornecedores das reformas com a cadeia de comando militar eram problemáticas.
Gómez preparou um dossiê e o levou aos superiores. O resultado não poderia ter sido pior — para ele. “Decidiram matar o mensageiro”, disse a VEJA. Nos anos seguintes, ele foi transferido de posto, pressionado a retirar a denúncia e a admitir que estava errado. Por sua recusa, pagou um preço alto: foi destituído da Marinha por insubordinação.
Ele toma cuidado ao falar sobre as causas do acidente com o submarino argentino desaparecido por respeito às famílias e porque seria preciso recuperar a embarcação para saber o que aconteceu de fato. Gómez, porém, é taxativo: “A corrupção levou a muitos problemas técnicos na Marinha”. Confira abaixo a entrevista:
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O que o senhor dizia na denúncia que apresentou? A denúncia versava sobre uma corrupção sistêmica na cadeia de responsabilidade da Marinha e das forças políticas. Era terrível. Não se faziam os trabalhos com empresas idôneas e foram elas as responsáveis pela renovação das baterias, por exemplo.
Como era sua relação com a Marinha? Era de paixão, foi uma grande vocação que eu tive. Ainda me sinto parte da Marinha apesar do que aconteceu. Eu sei que fui destituído de uma forma feroz, digamos, delinquente, mas o processo foi feito de maneira contrária às leis e à Constituição.
Esteve alguma vez no San Juan? Não, apenas o vi. Eu não navegava, era de uma parte mais operacional.
Qual o efeito da corrupção na Marinha? Tenho 100% de certeza de que a corrupção causa problemas técnicos. Eu me refiro ao que vi, ao que denunciei e à falta de mudança desse sistema corrupto de contratação de serviços e obras.
Foi o caso do San Juan? Minha denúncia não foi especificamente sobre o San Juan. Mas sobre as cadeias de fornecimento de materiais e serviços que também atenderam o San Juan. No caso do submarino, é um tema delicado, pois tenho muito respeito pelas famílias. Como homem da Marinha, sinto muita dor com o que está acontecendo. É preciso ser prudente. Mas não tenho dúvidas de que houve corrupção e que ela resulta em falhas técnicas.
O que acontecia na prática? Por exemplo, nos trabalhos de um submarino que não vou especificar, houve um contrato com uma empresa e a maioria do trabalho foi feita pelos próprios marinheiros. Não que eles não fossem capazes, mas se uma empresa foi contratada, por que ela não fazia o seu trabalho? Além disso, um militar pago pelo Estado não pode ser empregado. Isso eu vi, eu estava lá.
E o que foi feito após a denúncia? Decidiram fazer uma auditoria interna. Mas quem a realizou foi um subordinado de uma das pessoas denunciadas. Ou seja: é algo inconcebível.
Houve perseguição depois? Primeiro me transferiram para o sul [da Argentina]. Depois houve os assédios trabalhistas. Foi intenso. Estavam tentando tornar o ambiente insuportável para que eu retirasse o processo de corrupção. E, além disso, queriam que eu dissesse que havia me equivocado sobre tudo. Quando viram que eu não iria ceder, me destituíram por insubordinação militar. O que aconteceu comigo foi que mataram o mensageiro.
Como você se sentiu? Senti honra mesmo que à custa de cair de um precipício sem nada. Foi um imenso sabor de dignidade pessoal, embora eu tenha ficado sem nada. Eu cumpri o meu dever como cidadão e como militar. Agora, tenho muita vontade de que se investigue tudo e de que todo o lixo saia à luz.