“A história é um pesadelo do qual estou tentando acordar”, escreveu o irlandês James Joyce (1882-1941) numa célebre passagem do romance Ulysses (1922). Analisado sob a perspectiva do simbolismo dessa máxima, o discurso proferido pelo presidente francês Emmanuel Macron na manhã do domingo 11, durante a cerimônia do centésimo aniversário do fim da I Guerra — realizada no Arco do Triunfo, em Paris —, soou como um estridente despertador. O alarme foi acionado diante de mais de setenta chefes de Estado e de governo, conclamados a defender a cooperação internacional em oposição ao nacionalismo — “uma traição ao patriotismo” —, que impulsionou o conflito no passado e volta a ganhar corpo. “Dizendo ‘Nossos interesses primeiro; o que importam os outros?’, apaga-se aquilo que uma nação tem de mais precioso: seus valores morais”, disparou o líder francês. O alvo principal era evidente: Donald Trump, com seu slogan “A América em primeiro lugar”. Enumerando as ameaças que, juntos, os países poderiam superar, Macron citou “o espectro do aquecimento global”, numa alusão à saída dos EUA do Acordo de Paris, pelo qual quase 200 nações se comprometeram a combater as mudanças climáticas. Trump ouviu tudo impassível. Na solenidade, o republicano estava sentado perto de Macron — entre eles havia apenas a chanceler alemã Angela Merkel — e do presidente russo Vladimir Putin. À tarde, Trump preferiu visitar um cemitério militar americano a estar com os demais no Fórum sobre a Paz, organizado pela França. Paz: não é ela que fica no lugar do horror quando se acorda de um pesadelo?
Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2018, edição nº 2609