Fernando Haddad estava no coquetel oferecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos líderes do G20, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, quando Emmanuel Macron o convidou para um jantar exclusivo. O presidente da França, que na tensa cúpula das vinte maiores economias do mundo chamou atenção pelas boas relações – ao menos aparentemente – com todo mundo, havia organizado um pequeno evento, com apenas 20 convidados chegados, na Casa Firjan, no Botafogo, e pediu que o ministro da Fazenda o acompanhasse.
Foi então que Haddad pegou uma carona no carro presidencial junto com o próprio Macron e seus assessores mais próximos. Durante o trajeto de 15 minutos, e depois no jantar, os dois conversaram muito, segundo relatos feitos a VEJA. O brasileiro entende totalmente o francês, embora hesite em responder na mesma língua. Isso porque, na juventude, ele foi fazer um mestrado no Canadá, onde se fala inglês e francês.
“É que ele não quer arriscar uma falha na comunicação. O ministro só falaria se achasse que seu francês é impecável”, afirmou a VEJA uma fonte próxima a Haddad.
+ Taxação do super-ricos ganha apoio de líderes globais no G20
Nesta terça-feira, 19, o ministro da Fazenda postou uma foto do encontro, com a legenda: “Ótima conversa com o presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a integração dos blocos sul-americano e europeu.” Uma referência ao acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, negociado há mais de 20 anos, que hoje luta para sair do papel em especial devido à relutância da França.
Agricultores da nação europeia temem que a competição com produtos mais baratos vindos da América do Sul – e que supostamente não atendem às mesmas regras da UE sobre boas práticas ambientais – pode prejudicar o setor em casa. Macron sabe bem disso, e desde o ano passado tornou-se cada vez mais vocal contra a aprovação do tratado “do jeito que está”.
Enquanto Haddad falou em uma “ótima conversa”, o francês afirmou em postagem no X, também nesta terça, que “sempre protegeu agricultores” e que quer preservá-los diante de um possível acordo. “Serei firme e forte”, disse ele.
+ Lula pede metas climáticas mais ambiciosas e que países ricos assumam responsabilidade
Um tema difícil – mas que foi discutido à base de muito charme. Esta parece ser a principal arma de Macron num G20 que sabia-se ser marcado por divergências tais que temia-se sequer haver espaço para uma declaração final, algo que requer consenso de todos os membros.
(No final deu certo, e a vitória não passou batido: no coquetel que Lula ofereceu aos chefes de Estado, o clima era de comemoração à base de canções de Hamilton de Holanda, Mestrinho e Armandinho Macêdo, e da culinária típica brasileira, com pirarucu com tucupi, espeto de costela com cana-de-açúcar e nhoque de mandioca. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, até arriscou uns passos de dança e tirou selfies com diversas autoridades.)
Além de persuadir Haddad para um encontro, Macron fez Lula e a primeira-dama, Janja, abrirem um sorriso de orelha a orelha ao subir a rampa do Museu de Arte Moderna para cumprimentá-los, com muita animação e bom humor. E antes mesmo do G20, o líder francês passou um dia em Buenos Aires com Javier Milei, que vinha ameaçando travar alguns dos pontos da declaração conjunta. O objetivo era tentar “conectar o presidente Milei com as prioridades do G20”, segundo o Palácio do Eliseu.
+ Foto oficial do G20 pode ser refeita após ausência de Biden, Trudeau e Meloni
Foi o suficiente para que os dois saíssem abraçados na “foto de família” após a cúpula, e para que o documento final fosse aprovado – ainda que o presidente argentino tenha deixado explícitas suas discordâncias. Paris também tem seus interesses em aprofundar as relações econômicas com a Argentina, especialmente no setor de metais críticos, já que o grupo minerador Eramet acaba de inaugurar uma mina de lítio no país sul-americano.
Macron segue agora para o Chile para uma viagem de negócios, onde deve explicar ao governo por que se opõe à assinatura de um acordo de livre comércio entre o bloco sul-americano e a União Europeia. Na volta para a França, deve encontrar uma série de problemas, entre eles um Parlamento que não lhe é favorável, um orçamento complexo para 2025 a ser aprovado e uma popularidade em queda livre. O charme surtiu efeito na diplomacia e nas relações internacionais, mas por enquanto não há sinal de trégua em casa.