Depois de passar o ano 1 da guerra contra a Rússia saudado como herói da resistência ao invasor, com presença requisitada, aplausos garantidos e apoio jorrando onde quer que aparecesse, Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia, acumulou dores de cabeça neste segundo ano de combates. A caminho de mais um aniversário do ataque deliberado e sem motivo plausível de Moscou, em 24 de fevereiro, uma muito anunciada ofensiva para abrir uma brecha no território ocupado fracassou e, em meio ao desânimo da tropa e troca de farpas entre governo e militares, o fluxo de suporte financeiro do maior aliado, os Estados Unidos, está devagar, quase parando. De pires na mão, Zelensky esteve em Washington na terça-feira 12, percorrendo os corredores do poder para relembrar aos americanos as ameaças do inimigo em comum. Embora tenha encontrado em Joe Biden o respaldo de sempre, foi recebido com certa má vontade por uns poucos líderes que mal lhe deram ouvidos no Congresso, responsável pela aprovação de mais recursos para a guerra.
O fechamento da torneira de dólares para a Ucrânia é obra do Partido Republicano (além, claro, do desgaste de uma guerra emperrada), que desde que assumiu o controle da Câmara, em janeiro, não aprovou nenhum novo aporte. Nos últimos meses, a ala mais à direita, fortalecida pela troca de liderança que colocou um integrante do grupo na presidência da Casa, endureceu a postura, de olho nas eleições de 2024: uma pesquisa recente do Pew Research Center revelou que só metade dos americanos apoia ampliar os 75 bilhões de dólares já despejados na Ucrânia. Biden tentou driblar os deputados linha-dura encaminhando um superpacote de gastos de 106 bilhões de dólares, dos quais 61 bilhões iriam para a resistência ucraniana e o restante, dividido entre Israel (outra guerra impopular, que acabou colocando a invasão da Ucrânia em segundo plano) e medidas de segurança interna. O projeto foi vetado sem debate — para começar a considerar o gasto, os republicanos exigem que o governo aperte até o último furo o cinturão de controle da imigração ilegal na fronteira com o México, uma espécie de “jabuti” que os democratas sabem que despertaria a ira de seus eleitores. De mãos atadas, Biden recorreu a frases de efeito. “A história vai julgar quem virar as costas à liberdade”, proclamou.
A Casa Branca corre para tentar aprovar mais recursos antes do recesso do Congresso porque, segundo afirma, as reservas existentes vão secar após o fim do ano. A União Europeia prometeu uma contribuição de 50 bilhões de euros a Kiev, mas a Hungria pretende bloquear sua aprovação, que precisa ser unânime. Recostado em sua cadeira no Kremlin, Vladimir Putin, bebericando champanhe e gabando-se de seu Exército, declarou que a posição militar da Ucrânia não tem futuro, dada sua dependência de ajuda externa — e aproveitando, de quebra, para confirmar que vai concorrer à Presidência novamente em 2024. Apesar das imensas perdas de vidas, Putin parece estar vencendo a disputa de quem pisca primeiro. Moscou controla 20% do território ucraniano e intensificou a investida no leste: em Avdiivka, uma cidade fantasma sob bombardeio constante, estima-se que quase 1 000 russos morrem por dia. “Mas essa é uma brutalidade que os líderes militares parecem dispostos a aceitar para prolongar a guerra”, diz Jean de Glinasty, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas. Acuado, com o inverno chegando e com ele as bombas russas sobre estruturas de abastecimento de água e luz, Zelensky é hoje um pedinte em busca do apoio perdido.
Publicado em VEJA de 15 de dezembro de 2023, edição nº 2872