Quem quer que se posicione hoje estrategicamente para fazer uma selfie ou apenas clicar um dos cartões-postais das grandes cidades do planeta terá dificuldade de excluir da imagem uma multidão de turistas de origem asiática — com extraordinário destaque, nos últimos anos, para os chineses. Não é para menos: os representantes das gerações nascidas na China entre as décadas de 80 e 90 chegam a gastar, em média, por ano, 28% de seus rendimentos com passeios internacionais. De 2011 para cá, os chineses vêm deixando os americanos e os alemães para trás na hora em que se cruza o número de viagens ao exterior com o total gasto nos países visitados. Em 2018, os chineses despejaram nas nações que visitaram nada menos que 258 bilhões de dólares, ante 135 bilhões gastos por turistas vindos dos Estados Unidos (leia o quadro ao final da reportagem). Nos últimos sete anos, o apetite chinês pela compra de viagens aumentou mais de 400%. Essa espetacular disposição dos chineses para pegar o passaporte e sair mundo afora tem contribuído para o vertiginoso crescimento do turismo global, que, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial do Turismo (OMT), de 2017, foi de 7%. O setor, no entanto, vem experimentando agora um avanço diferente, devido a outro tipo de impulso — o das redes sociais, especialmente o Instagram. Com seu formidável poder de mobilização, e — de novo — o peso da presença chinesa, a rede, nascida com vocação para divulgar fotos feitas sob medida para “curtidas”, tem tornado famosas cidades antes esquecidas nos guias de viagem, para não falar das atrações clássicas revigoradas pela febre dos posts.
Tome-se como exemplo a vila de Freudenberg, na Alemanha. Com suas casas do século XVII, de teto inclinado e fachadas repletas de figuras geométricas, Freudenberg é um colírio de simetria — que transmite uma irresistível sensação de bem-estar. Apesar disso, nunca passou por tamanha invasão de visitantes como no último ano. Tudo começou em 2016, quando um programa da TV japonesa fez uma reportagem no local. Depois disso, celebridades japonesas, com alto poder de influência na China, visitaram a vila alemã e inundaram o Instagram de postagens de lá. Gradualmente, a soma das fotos tiradas em uma colina de Freudenberg alcançou o mesmo número de habitantes da vila: 15 000. A partir daí, ônibus lotados de turistas vindos de países asiáticos, notadamente da China, é claro, passaram a circular pelas ruas de Freudenberg, convertida em uma atração turística “instagramável”. O interesse aumentou tanto que a vila teve de mandar traduzir alguns materiais informativos para o mandarim e o japonês.
Essa novidade vem provocando transformações no segmento turístico. Agora já existe até mesmo a venda de roteiros que incluem auxílio para a produção de fotografias que serão publicadas nas redes sociais. Em Bali, na Indonésia, uma atração conhecida como Portão do Céu começou a receber mais viajantes depois que os fotógrafos locais passaram a usar um truque: colocando um espelho próximo da câmera, eles conseguem simular um lago diante do monumento, que sem dúvida o deixa mais bonito.
Até as cidades mais preparadas para receber visitantes não estão dando conta do recado. Mykonos, na Grécia, viu o número de turistas saltar de 15 milhões anuais para 32 milhões desde 2011. O prefeito da ilha vizinha de Santorini, Nikos Zorzos, declarou que a região vive um “estado de emergência turística simbólica”. Ele teme um desequilíbrio ambiental devido ao intenso fluxo de pessoas, ávidas por encontrar a melhor posição para uma foto digna de ser postada no Instagram em meio às tradicionais casas pintadas de branco.
Como frequentemente visitam outras nações em grandes grupos, os chineses são chamados, muitas vezes, de “turistas de manada” — e acusados de ser inclinados à baderna. Ainda que somente 9% da população tenha autorização para sair da China, o governo aprovou em 2015 uma lei que prevê punição para quem “envergonhe” o país em andanças pelo exterior. Aquele que for pego agindo de modo considerado inadequado — pelo menos segundo os critérios do lugar visitado — poderá ser proibido de sair do país. Mas não há sinal de que as filas mais longas e, por vezes, ruidosas, devido à presença maciça de chineses e de outras nacionalidades, estejam por terminar. Quem gosta de viajar, em período de férias escolares ou não, terá de se acostumar com essa nova realidade.
Publicado em VEJA de 14 de agosto de 2019, edição nº 2647