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China, Índia e Rússia expandem áreas de influência em meio à pandemia

Enquanto as nações do Ocidente abocanham a produção de seus laboratórios, os três países imunizam o resto do mundo

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h15 - Publicado em 19 mar 2021, 06h00
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  • Os anos pós-II Guerra dividiram o planeta entre duas potências: quem apoiava os Estados Unidos era contra a União Soviética, e vice-versa. Quando a Cortina de Ferro (termo inventado, claro, pelo lado de cá) desmoronou, instalou-se um vazio. Quem, a partir dali, era amigo de quem? Na posição de país mais poderoso, os Estados Unidos mantiveram um vasto leque de aliados, mas até no intrincado xadrez da geopolítica o novo coronavírus chegou para chacoalhar a ordem estabelecida. No admi­rá­vel futuro mundo sem pandemia, as alianças poderão ter tido como base o acesso à vacina — e nesse departamento a China, a Índia e a Rússia não perdem tempo. “A compra desenfreada pelos países ricos de produtos ainda em teste deixou uma enorme lacuna no fornecimento para os de menor renda”, diz a economista Monica de Bolle, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins. Os desenvolvedores que vieram em seguida se organizaram para preencher o espaço e vêm usando seus estoques e sua ampla capacidade produtiva para forjar novas zonas de influência mundo afora.

    Com quatro opções de vacinas próprias aprovadas e pelo menos outras duas em estudo, Pequim está fornecendo imunizantes a 43 parceiros comerciais e ainda ofereceu doações a 69 nações em desenvolvimento. Segundo o presidente da Associação da Indústria das Vacinas chinesa, Feng Duojia, o país será capaz de cobrir até 40% da demanda global nos próximos dois anos. A atuação dos chineses se espalha de tal forma que representantes de Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia se reuniram em um encontro virtual na terça-feira 16 para discutir formas de confrontar o gigante asiático. Rival da China na Ásia, a Índia, amparada em sua posição de “farmácia do mundo” pela capacidade instalada de fabricar medicamentos, tratou de se contrapor ao avanço das vacinas chinesas em vizinhos com quem tem pendengas territoriais, como Paquistão e Sri Lanka. A cada nova investida de Pequim na região, o governo indiano responde com generosas doações e fontes de crédito. Recentemente, encaminhou lotes de seu próprio imunizante, Covaxin, a nações da África, um continente onde a China cultiva interesses há décadas.

    Na cola das potências asiáticas, o governo do russo Vladimir Putin também atrela as exportações da vacina nacional, a Sputink V, à ampliação de seu poder político e científico. Superando tropeços iniciais, a Rússia conseguiu comprovar que sua vacina funciona e fechou contrato para a sua venda a pelo menos trinta países, entre eles seis da América Latina. “Russos, chineses e indianos estão usando sua dianteira médica e científica como demonstração de poder para o resto do mundo”, avalia Michael Jennings, especialista em saúde pública da Universidade de Londres. Um relatório do Departamento de Saúde dos Estados Unidos divulgado há poucos dias relata a intenção do ex-presidente Donald Trump de persuadir o Brasil a não comprar a Sputnik V, alegando a necessidade de “combater as influências malignas nas Américas”. De fato, o Brasil foi o último entre os vizinhos a anunciar a compra de 10 milhões de doses do imunizante russo.

    arte mapa vacina

    Antes da Rússia, a China tratou de usar seu estoque de vacinas para apagar incêndios diplomáticos com o governo Bolsonaro. Primeiro, à sua revelia: firmou parceria com o Instituto Butantan para a produção da sua CoronaVac com as bênçãos de João Doria, desafeto do presidente. Depois, atendendo a pedido: o ministro das Comunicações, Fábio Faria, esteve em Pequim em fevereiro para, oficialmente, discutir a implantação do 5G no país pelo gigante Huawei, um negócio que o Planalto até pouco tempo atrás jogava contra. De quebra, solicitou a ampliação do fornecimento de CoronaVac (ele nega o troca-troca).

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    Correndo por fora na disputa de gigantes, Israel usa sua reputação de modelo de vacinação para ganhos políticos: fala em doar doses a países que concordem em transferir suas embaixadas para Jerusalém. Distantes até agora dessa cruzada por influência e prestígio devido às próprias trapalhadas iniciais para imunizar sua população, os Estados Unidos estão sendo instados a doar um vasto estoque da vacina de Oxford-­AstraZeneca que têm à disposição mas não podem usar por falta de selo de aprovação. Enquanto as placas tectônicas dos interesses políticos se rearranjam, países sem recursos (e sem organização) vão tendo sua chance de receber e aplicar vacinas — e isso é o que importa.

    Publicado em VEJA de 24 de março de 2021, edição nº 2730

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