“Nada une tão fortemente como o ódio — nem o amor, nem a amizade, nem a admiração.” A frase, dita pelo escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), tem marcado a política mundial nos últimos anos. Impulsionadas pelas redes sociais e pelo imediatismo do universo digital, qualidades como o diálogo, a reflexão, o respeito ao diferente têm sido trocadas por reações como raiva, impulsividade e impropérios destinados aos seus inimigos. Não raro, esse comportamento belicoso busca o aplauso rápido de uma claque — mas traz, claro, a consequente resposta adversa da turma do outro lado. O sucesso efêmero, o fato de chamar atenção com curtidas e joinhas, faz com que mais e mais pessoas se juntem a essa horrenda dinâmica. Indivíduos que eram razoáveis no trato pessoal, doces muitas vezes, se transformam em selvagens digitais protegidos pelo distanciamento do seu celular.
Infelizmente, esse desvario não fica restrito à realidade virtual. Ele transborda para o mundo de verdade e traz consigo consequências nefastas. A força do ódio tem sido utilizada por líderes políticos em todo o planeta, gerando atos execráveis como o 6 de Janeiro nos Estados Unidos, obra da pregação de Donald Trump, e o 8 de Janeiro no Brasil, fruto da verborragia incontrolável do ex-presidente Jair Bolsonaro. Resultado dos ataques à democracia travestidos de mobilização popular: mortes, prédios públicos destruídos e pessoas presas. Quando os líderes, aqueles que deveriam organizar e comandar esse processo, preferem o caminho da discórdia, a situação sai de controle e as massas enfurecidas entram em ação. Afinal de contas, existe uma revolta, uma decepção da população com a própria incompetência e contra tudo-isso-que-está-aí, o que acaba atirando ainda mais gasolina nesse paiol, restringindo o espaço do entendimento e da harmonia.
Levado ao paroxismo, esse ódio resulta naquilo que vemos hoje no conflito entre o grupo terrorista Hamas e o governo de Israel pela Faixa de Gaza. A repulsa entre os dois povos, palestinos e judeus, é histórica. No princípio, era a religião. Há muitos séculos, trata-se apenas da vaidade de poderosos, da expansão territorial e da manipulação orquestrada por líderes sanguinários. A falta de humanidade por parte de quem deveria buscar uma convergência mínima vem multiplicando o número de mortes, exacerbando a dor de todos que perdem um ente querido, e garantindo ainda mais munição e “combatentes” para essa eterna jihad (guerra santa). O cenário fica ainda mais abominável ao se perceber que políticos do mundo inteiro (assim como influencers ou apenas os imbecis, como tão bem classificou o escritor Umberto Eco) se alinham aqui e ali, alimentando um novo antissemitismo ou reforçando a islamofobia para se “posicionar” frente ao seu público. Lamentável. Triste. Ignóbil. Não é com fanatismos ou condutas que lembram selvagerias futebolísticas que conflitos dessa natureza podem ser resolvidos. É preciso grandeza, tolerância e ponderação. Tudo o que os grandes líderes mundiais não têm demonstrado nos últimos tempos.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867