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Canadá abre caminho para legalização da maconha

Justin Trudeau prometeu durante a campanha e começou a ir em frente: o país deve liberar a Cannabis já em 2018

Por Daniela Flor Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 nov 2018, 15h21 - Publicado em 13 abr 2017, 15h18

O Canadá deu o primeiro passo oficial para se tornar o segundo país do mundo a legalizar a maconha nacionalmente, quatro anos após o Uruguai. Na quinta-feira, um projeto de lei elaborado pelo governo federal foi entregue ao Parlamento que, nos próximos meses, deve regulamentar o comércio e permitir que a droga seja consumida livremente no país – em julho de 2018, se seguir planos do Partido Liberal.

As circunstâncias da nação do badalado primeiro-ministro Justin Trudeau, porém, estão longe de serem as mesmas do precursor latino-americano. À primeira vista, o objetivo da liberação parece até um contrassenso: dificultar que a droga chegue aos jovens. As controvérsias, sim, existem, mas a população demonstrou estar disposta a embarcar na proposta do premiê quando o elegeu em 2015, com a promessa de legalizar a Cannabis.

A preocupação de Trudeau com a droga não é em vão, muito menos exagerada: o Canadá é o quarto país do mundo no consumo de maconha, apesar de o uso recreativo ser completamente ilegal (o Brasil fica em 17º lugar). De acordo com o último levantamento de Tabaco, Álcool e Drogas do governo, de 2015, 11% dos canadenses haviam usado a erva no ano anterior – entre os jovens de 20 a 24 anos, o índice chega a 30%, o maior entre países desenvolvidos. Por ser tão comum, a posse da Cannabis representa mais da metade de todas os ofensas relacionadas a drogas, um peso para os cofres do Estado.

O premiê moderno é, sim, mais liberal sobre os efeitos da droga que colegas conservadores: admite publicamente ter usado “cinco ou seis vezes na vida”. Ainda assim, faz questão de ressaltar em discursos que “não importa o que se diga sobre a maconha em comparação ao álcool ou ao cigarro, o impacto no desenvolvimento do cérebro existe e precisa ser prevenido”. Na visão de seu partido, a legalização pode, inclusive, ajudar na discussão aberta sobre os malefícios da droga, pois virá acompanhada de programas de conscientização.

Apesar de inevitavelmente polêmica, a plataforma de Trudeau tende a passar no Parlamento sem grandes dificuldades, com uma Câmara controlada pelos liberais e aprovação pública bastante impressionante, se comparada ao Uruguai. Uma pesquisa divulgada neste mês pelo grupo canadense NRG mostra que 51% da população concorda com a legalização, enquanto 33% é contra (14% não tem posição definida). Quando José Mujica anunciou a medida em seu país, duas a cada três pessoas se opunham. “No Uruguai, foi mais um decreto que um consenso”, diz o inglês Steve Moore, diretor do centro de estudos Volteface, especializado em políticas sobre drogas. “Quando Trudeau é questionado se a regulamentação vai gerar dólares, até evita esse tópico. Insistir que faz isso pelos jovens popularizou a medida.”

Vendedores oferecem maconha durante marcha pela liberação da droga em Vancouver, Canadá
Vendedores oferecem maconha durante marcha pela liberação da droga em Vancouver, Canadá (Jeff Vinnick/Getty Images)
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Qual é o plano?

A proposta progressista começou a sair do papel em junho do ano passado, quando o governo formou uma força-tarefa  para elaborar um relatório com oitenta diretrizes sobre o processo de legalização. O documento pode ser resumido no lema da administração de Trudeau, “Legalizar, regulamentar e restringir acesso”, e se baseia pouquíssimo em exemplos estrangeiros. As justificativas focam o contexto canadense, como leis que já regulam o álcool e o cigarro, e o passado bem-sucedido em derrubar os índices de consumo de tabaco.

Os detalhes serão debatidos ao longo dos próximos meses, mas já dá para se ter ideia de como funcionará o mercado. Licenças serão emitidas para negócios privados cultivarem, distribuírem e venderem. “O governo canadense, em nível federal, vai licenciar organizações para produzirem a Cannabis, enquanto a distribuição ficará a cargo de províncias e territórios”, explica Moore.

Das diretrizes propostas pelo grupo de estudo, algumas terão espaço certo na lei:

  • Idade mínima para consumo de 18 anos, com permissão para que províncias e territórios a elevem;
  • Permissão para plantio de até quatro plantas de maconha por casa;
  • Regras rígidas para publicidade e embalagem, semelhantes às do tabaco e do álcool;
  • Criação de programas para conscientizar a população sobre riscos.

O desafio de Trudeau, que põe em jogo sua popularidade e carreira se falhar, é acabar com o mercado negro e, de fato, evitar o acesso dos jovens. O exemplo uruguaio não é de grande ajuda, por ser predominantemente estatal, e o americano ainda menos, por funcionar regionalmente. Segundo W.A. Bogart, professor da Universidade de Windsor, no Canadá, e autor do livro Fora das Ruas: Legalizando Drogas, o mercado ilegal não terá fim imediato, mas é difícil que se mantenha apenas para fornecer drogas aos menores de idade. “O exemplo do álcool mostra que poucos produzem ilegalmente se há mercado legal”, diz Bogart.

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Outro problema diz respeito ao controle regional, já que cada província terá responsabilidade de fiscalizar a distribuição e, portanto, evitar que chegue aos mais novos. “Ontário tem sistema de monopólio do álcool e seus negócios são vergonhosos ao coibir o consumo, porque visam a maximizar o lucro”, diz Mark Kleiman, professor de política pública da NYU e ex-consultor do estado americano de Washington na legalização.

Loja especializada em maconha em Toronto, Canadá
Loja especializada em maconha em Toronto, Canadá (iStock/Getty Images)

Mercado em alta

 

Pode não ser o foco (pelo menos, abertamente), mas os cofres do governo esperam ver o retorno financeiro. Entre os produtores, a legalização é motivo de euforia e esquenta um mercado que já é forte devido ao uso medicinal, permitido desde 2001. Em relatório publicado pelo jornal Toronto Star, a auditoria Deloitte estima que, após julho de 2018, nasça uma indústria de 22,6 bilhões de dólares (69,9 bilhões de reais).Trudeau sugere que, com a liberação total, o dinheiro de impostos seja destinado a tratamentos para viciados em drogas e programas educacionais.

Já são 43 empresas no Canadá com permissão para cultivo e comercialização da Cannabis medicinal e é natural que dominem o novo mercado recreativo. A líder, Canopy Growth Corp., teve as ações valorizadas em 11% desde o anúncio da legalização, no fim de março, e foi a primeira do ramo a ultrapassar o valor de 1 bilhão de dólares. Outros nomes, como a OrganiGram Holdings Inc. e a Aurora Cannabis Inc., cresceram respectivamente 10% e 6,5%.

Se o processo funcionar, o Canadá poderá colher os frutos de ser pioneiro em um negócio global, com a fortuna de estar à frente dos Estados Unidos. Apesar de ter começado mais cedo com legalizações regionais, a proibição federal restringe e muito o mercado americano.

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Sob os olhos do mundo

Seja no comércio ou no âmbito legal, não há modelo garantido, e o país de Trudeau precisará trabalhar na tentativa e erro, com as dificuldades que surgem com qualquer política sem precedentes. O resto do globo observará atentamente os passos da nação moderninha, que vai se tornar exemplo de sucesso, ou fracasso.

A tendência mundial é difícil de ser medida, mas é inegável que a liberação gradual está em curso, com relaxamento de penas e níveis diferentes de descriminalização, garantem especialistas. No fim de março, o Senado argentino aprovou o uso medicinal da Cannabis, que também entrou em vigor nesse mês na Alemanha, e na Irlanda e na Austrália, no ano passado. Nas eleições americanas de 2016, nove estados votaram algum tipo de regra sobre a erva. Dos cinco que avaliaram o uso recreativo, apenas um rejeitou a liberação (Arizona, com 51% de votos contrários).

O que difere o Canadá é ir contra a onda global de descriminalizar, menos polêmica e bem mais fácil de ser posta em prática, e pular direto para a versão mais drástica. Trudeau faz questão de estar contra o mundo: não quer deixar a droga nas mãos do tráfico, que só pode ser coibido com a regulamentação do governo – só o tempo provará se foi descuidado ou visionário.

Confira o que dizem as leis sobre a maconha no mundo:

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Entenda a diferença legal

Descriminalizada
É quando o ato deixa de ser crime perante a lei, ou seja, o usuário não responde a processo criminal. Nesses casos, ainda é possível que receba sanções administrativas (como são as multas de trânsito), sem ser fichado pela polícia, explica o advogado criminalista Renato Marques Martins, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Em Portugal, onde o porte de todas as drogas para uso pessoal é descriminalizado, o usuário pode ser encaminhado para cursos dependência química ou até internação. Uma diferença-chave está na venda: a descriminalização da droga diz respeito apenas à demanda, assim, o tráfico ainda é ilegal e o comércio não é regulado pelo governo.

Legalizada
É a categoria que se aplica apenas ao Uruguai, a alguns estados americanos e, em breve, ao Canadá. Quando a droga é legalizada, não há nenhuma consequência jurídica para os usuários ou produtores que seguem as diretrizes impostas pelo governo. A legalização aborda tanto o consumo quanto a oferta, assim como funciona com o álcool ou o tabaco. A lei regula o mercado de produção e venda e impõe limites sobre locais para consumo ou outras restrições, como a idade mínima.

Ilegal
Quando o consumo da maconha é ilegal, o usuário responde a processo criminal pelo seu ato – o que não significa que será preso. No Brasil, que está nessa categoria, a lei determina penas mais brandas para usuários, como serviços comunitários, e mais pesadas para tráfico, que leva à cadeia.

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