Caindo na real: os bastidores da abdicação da rainha Margrethe
Com mais de meio século de trono, ela passou o cetro ao filho, enroscado num suposto caso de traição que poderia abalar o reino
Há algo dando o que falar no reino da Dinamarca — e não se trata do Ozempic, a droga emagrecedora inventada pelo laboratório dinamarquês Novo Nordisk que, sozinha, deu um upgrade no PIB nacional. O impacto desta vez partiu do próprio palácio: em seu tradicional discurso de fim de ano, a muito querida rainha Margrethe, 83 anos e disposição para dar e vender, anunciou que vai abdicar em favor do herdeiro, príncipe Frederik, no dia 14 de janeiro, a exata data em que completa 52 anos no trono. Ela citou questões de saúde: “O tempo passa, as doenças aumentam. Decidi que essa é a hora certa”. Nas colunas de fofocas e nas redes sociais, porém, as más línguas não param de apontar a coincidência entre a abdicação e o escândalo envolvendo Frederik — que, em uma visita particular e não divulgada a Madri, em outubro, passou um dia e uma noite em companhia da socialite mexicana Genoveva Casanova, esfacelando a imagem de casamento perfeito com a princesa Mary, com quem tem quatro filhos. A se crer nos trending topics, ela estaria tendo dificuldade para engolir a traição, e a perspectiva de se tornar rainha consorte seria uma manobra de Margrethe para amolecer a nora.
Sem saber que era seguido por paparazzi, o príncipe herdeiro foi fotografado em Madri com Genoveva, circulando por uma exposição e passeando em um parque. No começo da noite, entrou sozinho no prédio onde ela mora. Horas depois, saíram separados — os dois usando roupas diferentes. Encontraram-se na calçada, entraram em um carro e seguiram para um restaurante, de onde saíram de madrugada. Frederik foi de novo clicado pela manhã, prosaicamente puxando uma mala de rodinhas, antes de seguir para o aeroporto. Enquanto ele supostamente pulava a cerca, Mary encarava um encontro oficial na ONU, em Genebra.
O flagra só veio à tona no final de novembro, coincidindo com uma visita a Copenhague dos reis da Espanha, Felipe e Letizia, eles também enroscados em um escândalo de traição — dela, no caso. Os quatro, profissionalíssimos, sorriram e acenaram como se nada houvesse, mas perto do Natal a princesa embarcou com dois dos filhos — e sem o marido — para a Austrália, seu país de origem (ele viajou depois). Frederik, 55 anos, e Mary, 51, então publicitária, se conheceram em um pub em 2000, na Olimpíada de Sydney, e se casaram quatro anos depois. Ela aprendeu o idioma rapidamente, caiu nas graças dos súditos e é um dos royals mais populares do país, o que não é grande feito — mais de 75% dos dinamarqueses apoiam sua monarquia.
Sejam quais forem os motivos por trás do anúncio de Margrethe (Daisy para os íntimos), ele causou enorme surpresa. Prima de terceiro grau de Elizabeth II, do Reino Unido, ela sempre afirmou que permaneceria no trono até o fim de seus dias, o que é tradição na Dinamarca. Do alto de seu 1,80 metro, com uma queda por vestidos extravagantes, a rainha tirou pleno proveito da informalidade da monarquia dinamarquesa para desenvolver seus muitos interesses: estudou em Cambridge, na Sorbonne e na London School of Economics, pintou quadros que foram parar em exposições, ilustrou livros de J.R.R. Tolkien e mais recentemente desenhou os figurinos de um filme. Fumante inveterada, em 2006 concordou em não mais aparecer em público com um cigarro entre os dedos, pacto que nem sempre respeitou.
Prática e sem papas na língua, em 2022 removeu o título de príncipe e princesa dos filhos de seu caçula, Joachim. “Desejo que meus quatro netos possam moldar sua existência sem as limitações das considerações e obrigações especiais inerentes à ligação formal com uma casa real”, explicou. Todos os envolvidos estrilaram publicamente. Ela pediu desculpas pelo mau jeito, mas não voltou atrás. No dia 14, a última soberana por direito próprio da Europa verá Frederik X ser proclamado rei pela primeira-ministra Mette Frederiksen no Palácio de Christiansborg. A seu lado se sentará Mary, a rainha consorte. Tragédia evitada.
Publicado em VEJA de 5 de janeiro de 2024, edição nº 2874