Quando Lidia Karina Souza fala ao telefone com seu filho Diogo, de nove anos, o menino suplica para que a mãe faça todo o possível para tirá-lo da custódia do governo dos Estados Unidos e voltar para ela. Na terça-feira (26), advogados da brasileira ingressaram com um processo contra a ação contra a gestão de Donald Trump para solicitar a imediata liberação da criança.
Diogo está há quatro semanas em um abrigo contratado pelo governo em Chicago para crianças imigrantes. Passa a maior parte do tempo sozinho, em quarentena, por causa da catapora que contraiu. Passou seu nono aniversário longe da mãe, autorizada a conversar com o garoto por apenas 20 minutos por semana.
Lidia foi presa na fronteira com o México no final de maio, quando tentava ingressar com o filho nos Estados Unidos. Ela foi para uma prisão, no Texas. Ele, para uma instituição em Chicago. Ao deixar a cadeia, em 9 de junho, a brasileira de 27 anos solicitou refúgio no país,alegando risco para sua vida no Brasil, e se embrenhou por duas semanas em uma investigação para saber aonde Diogo estava abrigado.
“Vim por necessidade”, afirmou ela, que traz o nome do filho tatuado no pulso, ao The New York Times.
Os agentes de imigração a fizeram preencher quase 40 páginas de documentos, que disseram ser necessários para recuperar a guarda do filho. Pouco depois, alegaram que as regras haviam mudado e que todos os membros da família residentes nos Estados teriam de ser fichados. Mais documentos foram pedidos.
Passada a etapa burocrática, ela tentou encontrar Diogo por meio de um número de telefone que as autoridades haviam lhe passado. Não conseguiu contatar ninguém. Lembrou-se, então, que conhecera na prisão, também separada de sua filha. Ao localizá-la pelo Facebook, a ex-companheira de cadeia disse que sua filha havia conhecido um menino chamado Diogo em um abrigo em Chicago.
Em sua saga, Lidia mudou-se para a casa de parentes nos arredores de Boston e visitou Diogo na última terça-feira, pela primeira vez. Eles se abraçaram, e ela o beijou diversas vezes na cabeça e no rosto. Os dois choraram.
“Eu estava com muitas saudades de você”, disse ela. Diogo afirmou estar “melhor agora”. A visita durou uma hora. Depois, o menino retornou para a custódia do governo americano. “Ele chorou muito na hora de dizer tchau. Ele pensou que ia para casa com a gente”, relatou Lidia.
A brasileira Lidia Souza também tem uma tatuagem com o nome de Diogo no pulso. Se advogado, Jesse Bless, disse que o governo americano também está pedindo a imigrantes que querem que seus filhos se estabeleçam com parentes ou amigos nos Estados Unidos documentos como contas de luz ou contratos de aluguel – o que muitos que chegaram recentemente não têm.
Os advogados de Lidia vão comparecer hoje a uma audiência de emergência em um tribunal de Chicago, na qual espera-se que o processo de guarda de Diogo seja resolvido. Agentes do governo disseram a Lidia que a liberação da criança deverá ocorrer no fim de julho. Mas ela tem esperança de que a ação judicial abrevie a espera.
Nesta semana, um juiz federal da Califórnia emitiu uma ordem para obrigar o governo Trump a devolver mais de 2.000 crianças imigrantes a suas famílias em um prazo de 30 dias. No caso de crianças menores de cinco anos, o prazo cai para 14 dias.
O advogado Jesse Bless, de um escritório de Boston especializado em imigração, disse não ter se empolgado com a decisão judicial, já que ela poderá fazer com que o governo adie os procedimentos ainda mais. “Temos dificuldade em ter confiança a essa altura”, disse Bless, um dos representantes legais da brasileira.
Há ao menos 51 crianças brasileiras em abrigos dos Estados Unidos, a maioria delas em Chicago. O governo brasileiro demonstrou suas preocupação com os traumas psicológicos que as separações de famílias podem causar e, em seu encontro com o vice-presidente americano Mike Pence, Michel Temer ofereceu um avião para buscar as crianças brasileiras.
Algumas centenas de pais separados de seus filhos na fronteira com o México pela gestão Trump têm enfrentado o complexo sistema de imigração dos Estados Unidos para conseguir reunir suas famílias. Para muitos, tem sido uma luta desigual, frustrante e dolorosa. A maioria não fala inglês. Muitos não têm nenhuma informação sobre o paradeiro de suas crianças. Outros tantos dizem que suas ligações para a central de informações do governo não têm sido atendidas.
Também há enormes desafios logísticos e dúvidas sobre as confusas e descoordenadas práticas do governo americano. O Departamento de Justiça e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos, responsáveis pela guarda das crianças, ainda não informaram de que forma pretendem cumprir a decisão judicial de reunir as famílias. O governo estuda a possibilidade de abrigar as famílias reunidas em suas bases militares.
O diretor da União Americana das Liberdades Civis, Anthony Romero, disse que os prazos estipulados pelo juiz para a reunificação das famílias – de 14 e de 30 dias – são realistas. “É uma questão de vontade política, não de falta de recursos”.
Dentre os fatores complicadores está o fato de as crianças terem sido enviadas para abrigos em vários pontos dos Estados Unidos, a milhares de quilômetros da fronteira. Além disso, centenas de pais e mães já devem ter sido deportados sem levar consigo os seus filhos.
A guatemalteca Elsa Johana Ortiz foi mandada de volta para casa sem o filho de oito anos, o que a obrigou a contratar um advogado americano. Ela mora em uma casa de tijolos aparentes nos arrabaldes da Cidade da Guatemala. “Enquanto ele não estiver comigo, não estarei em paz.”
Em El Paso, no Texas, 36 pais e mães libertados no domingo passado de um centro de detenção iniciaram uma febril busca por seus filhos, utilizando uma única linha telefônica emprestada por uma organização beneficente.
Muitos deixaram o Texas em direção à Nova York, Dallas ou cidades da Costa Oeste para viver com outros membros da família, na esperança de que estabelecer residência facilite o retorno dos filhos. Muitos partiram apenas com sanduíches, certidões de nascimento e documentos de refúgio em sacolas de supermercados.
Um desses imigrantes, o hondurenho Wilson Romero, de 26 anos, partiu de El Paso para a Califórnia, onde sua mãe se estabeleceu recentemente. Ele é pai de Nataly, de 5 anos, que também contraiu catapora no abrigo onde vive desde maio.
Em Honduras, Romero trabalhava em uma fábrica têxtil que produz logotipos para marcas americanas. Ele disse ter deixado San Pedro Sula, uma das cidades mais violentas da América Latina, para que Nataly tivesse melhores oportunidades profissionais. Agora, só quer tê-la de volta.
“Rezo a Deus para que seja logo”, disse Romero, que tem uma tatuagem com o nome da menina no braço direito.
(Com Estadão Conteúdo)