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Boris Johnson surpreende e muda cláusula do acordo do Brexit

Com a popularidade desgastada pela pandemia e pela crise econômica, o líder tenta recuperar a fama de durão

Por Caio Saad Atualizado em 18 set 2020, 10h46 - Publicado em 18 set 2020, 06h00

Prova inequívoca de que o mundo, apesar da pandemia, caminha para a normalidade: o Brexit voltou a ser assunto no Reino Unido. Faltando pouco mais de três meses para vencer o prazo finalíssimo da atormentada separação, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson resolveu, na cara de pau, reescrever trechos do acordo que ele mesmo lavrou e assinou com a União Europeia. “Sim, isso viola as leis internacionais de modo específico e limitado”, admitiu Brandon Lewis, secretário do governo para questões da Irlanda do Norte. Em outras palavras: é ilegal, mas só um pouquinho. Na mesma semana em que colocou a proposta de mudança em votação no Parlamento, o primeiro-ministro, às voltas com um recrudescimento do contágio do novo coronavírus, instaurou no reino uma universalmente abominada “regra de seis” — reuniões ficam limitadas a meia dúzia de pessoas, em vez das trinta de antes. Com tudo isso, e com a economia agonizando no abismo mais fundo da Europa, Johnson vai ter de fazer força para provar que, apesar de muitos duvidarem, tem musculatura para tirar o país das cordas.

O Brexit voltou à baila porque o prazo para os finalmentes do divórcio — burilar e arrematar pontas soltas do acordo — vence em dezembro e as negociações, que deveriam se estender pelo ano todo, ficaram em ponto morto durante boa parte do primeiro semestre. Ressuscitando a tática que usou no ano passado, e que lhe rendeu vitória esmagadora nas eleições antecipadas e maioria de oitenta parlamentares em Westminster, Johnson partiu para o confronto mal as conversas foram retomadas. Se não houver concordância até 15 de outubro, quando o Conselho Europeu se reúne e deve pôr na pauta os últimos acertos, é melhor esquecer o assunto, disse, brandindo a eterna ameaça de bater a porta e ir embora.

A mudança no texto do acordo veio em seguida, no contexto de uma lei que dá a seus ministros poder decisivo em relação a subsídios e trânsito de mercadorias na Irlanda do Norte — exatamente o maior perrengue da exaustiva negociação do Brexit. Na terça 15, a lei foi aprovada em primeira votação, mas um punhado de parlamentares conservadores, do governo, posicionou-se contra, trazendo à memória o racha partidário que paralisou o Reino Unido durante meses. A medida ainda passará por outras votações e é possível que seja amenizada por uma emenda que submeteria as decisões dos ministros ao Parlamento ou mesmo pela retirada do monstrengo da pauta, caso as duas partes cheguem a um consenso. O enrosco deu, no entanto, o tom dos próximos capítulos de uma novela que ninguém aguenta mais acompanhar. “A confiança dos países da UE no governo britânico sofreu um golpe. Ninguém sabe com certeza qual é o plano de Boris Johnson. Talvez ele nem tenha um plano e só esteja sondando para ver o que pode conseguir”, avalia Fabian Zuleeg, do European Policy Centre, sediado em Bruxelas.

No combate à pandemia, que o governo primeiro tratou com leveza e depois endureceu, até as autoridades reconhecem que não terão meios de fiscalizar com rigor a nova “regra de seis”, que prevê multa de 100 libras a quem descumprir, dobrada a cada reincidência — isso depois de semanas de vigorosos incentivos à volta à vida normal. Nos primeiros dias de vigência, grupos maiores do que o permitido foram fotografados tomando sol em parques públicos de Londres e participando de um protesto contra o uso de máscara. O Reino Unido soma mais de 378 000 casos confirmados e quase 42 000 mortes por Covid-19. Depois de um período de recuo, em setembro os novos casos diários passaram de 3 000 e o temido “fator R” — o número médio de pessoas a quem alguém contagiado pode transmitir o vírus — superou o limite ideal. A aplicação de testes, atabalhoada desde o começo, segue prejudicada pela escassez e pelo acúmulo de resultados retidos nos laboratórios, que a liberação da volta às aulas intensificou.

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A paralisação na pandemia deve eliminar 1 milhão de postos de trabalho neste ano, segundo o Instituto de Estudos sobre Emprego, sendo 450 000 só entre julho e setembro. O Trussell Trust, que administra uma rede de distribuição de alimentos, alerta sobre o fato de que 670 000 britânicos devem ingressar na faixa da pobreza até o fim do ano. O PIB encolheu 20% no segundo trimestre, um recorde histórico. Nesse contexto desolador, uma pesquisa publicada no fim de agosto mostrou que apenas 29% da população aprova o primeiro-ministro, uma queda de 12 pontos em relação a julho. “Entraves à finalização da saída negociada da União Europeia serão mais um grande golpe para a economia britânica”, diz Jonathan Portes, professor de economia da King’s College de Londres. Para alívio de muita gente, no mesmo dia da votação da “lei de exceção” encaminhada por Johnson, o representante da UE na negociação do Brexit, Michel Barnier, desembarcou em Londres para reuniões pré-agendadas. A presença dele foi vista como sinal de que o bloco confia em um compromisso que encerre a novela e risque pelo menos um problema da lista do Reino Unido.

Publicado em VEJA de 23 de setembro de 2020, edição nº 2705

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