Em um dos raros pronunciamentos desde sua renúncia em 2013, o papa emérito Bento XVI publicou um documento com suas reflexões sobre o abuso sexual na Igreja Católica. No texto, ele diagnostica o colapso moral da sociedade como a origem do problema e denuncia a proteção judicial garantida há anos para padres pedófilos.
O documento de 18 páginas intitulado “A Igreja e os Abusos Sexuais” será publicado na revista mensal Klerusblatt, dedicada ao clero católico na Baviera, terra natal do antigo bispo de Roma. Sua prévia foi divulgada nesta quinta-feira, 11, por vários veículos de imprensa, entre eles o Corriere della Sera, da Itália, onde Bento vive recluso em um convento.
O texto não fornece orientações sobre como erradicar os abusos de menores dentro da Igreja, mas conclui que a pedofilia atingiu “essas proporções” diante da “ausência de Deus.”
Bento XVI justificou que sua intenção com as declarações é contribuir para resolver este “tempo difícil” que a Igreja Católica atravessa e que ele resolveu fazê-lo depois do encontro oferecido pelo papa Francisco em fevereiro, no Vaticano, com os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo para discutir as denúncias dos últimos anos.
Joseph Ratzinger ainda deixou claro que contatou o papa Francisco e o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, antes de publicar o documento com as suas opiniões, divididas em três tópicos.
No início do texto, o bispo emérito analisa o contexto histórico que causa a “praga” do abuso cometido pelos sacerdotes, argumentando que, desde a década de 1960, “os padrões em relação à sexualidade que até então eram obrigatórios desmoronaram completamente” na sociedade, citando alguns exemplos desta “deterioração moral’ em seu país, a Alemanha.
Ele menciona ainda as reivindicações da Revolução de 1968 na França. Segundo o religioso, os manifestantes brigavam por uma “liberdade sexual total, uma que já não tivesse normas”, o que estaria “fortemente relacionado com este colapso mental” de hoje em dia.
“A teologia moral católica sofreu um colapso que deixou a Igreja indefesa diante dessas mudanças na sociedade”, argumenta. Bento XVI, também menciona que “foram estabelecidos grupos homossexuais que agiram mais ou menos abertamente em vários seminários”, o que “mudou significativamente o clima que se vivia neles.”
Entre suas críticas, o papa emérito também escreveu sobre as vidas clandestinas de vários dos sacerdotes da Igreja, que formavam famílias ocultas e paralelas a sua vida religiosa. “Em um seminário no sul da Alemanha, os candidatos ao sacerdócio e para o ministério laico de especialistas pastorais viviam com outras pessoas. Os casados às vezes estavam com suas esposas e filhos; e em algumas ocasiões com suas namoradas”. contou.
Para o papa emérito, “o clima neste seminário não proporcionava o apoio requerido para a preparação da vocação sacerdotal.”
Em outra passagem, Bento menciona a impunidade em torno dos casos de pedofilia e explica que um sistema baseado “em assegurar o direito do acusado acima de tudo excluiu qualquer tipo de condenação” para os padres, cardeais e bispos acusados. Segundo ele, uma movimentação iniciada pelo papa João Paulo II começou a mudar esta cessão de garantias e deu ao clero o poder de punir seus religiosos.
Na época, o então Bispo de Roma decidiu que era “apropriado atribuir essas ofensas à Congregação para a Doutrina da Fé”, que Ratzinger estava dirigindo na época. A manobra “tornou possível impor a pena máxima, isto é, a expulsão do estado clerical, que não poderia ter sido imposta sob outras disposições legais.”
Ratzinger foi o líder da Igreja Católica por oito anos, de 2005 a 2013. Em fevereiro daquele ano, o pontífice chocou o mundo quando se tornou o primeiro a renunciar ao cargo em quase seis séculos. Aos 85 anos, Bento XVI creditou sua saída à idade avançada e ao seus limites físicos e mentais diante das exigências como papa.
(com Agência EFE)