Motivado por encontrar o seu verdadeiro lugar no mundo, o arquiteto e escritor norueguês Bjørn Berge se dispôs a conhecer o planeta da maneira mais abrangente possível. Com uma década de projeto percorrido, ele percebeu que não conseguiria alcançar seu objetivo. Ao invés de desistir, no entanto, mudou o foco. Passou a colecionar selos, inspirado na coleção que recebeu de seu pai. Diz ele que seu objetivo é conseguir um de cada regime que existiu desde a emissão do primeiro Penny Black, em 1840, na Inglaterra. Para entrar no acervo, porém, precisa ter sido usado e carregar traços desse uso. A partir do que conseguiu juntar desde então, surgiu o livro Lugar Nenhum (Rua do Sabão), que traz as histórias de 50 países que existiram, mas foram apagados do mapa, cobrindo desde o século XIX e boa parte do século XX.
O atlas às avessas funciona, para o autor, como um modo alternativo de apresentar a história mundial. Grandes ou pequenos, continentais ou insulares, litorâneos ou interiorizados, esses países e regiões têm em comum o fato de que emitiram selos. Alguns de seus nomes, como Biafra ou New Brunswick, são estranhamente familiares. Outros, como Labuão, Tannu Tuva e Inini, são menos reconhecíveis. Mas todas essas nações perdidas têm o que contar, tenham tido vida curta como a Carélia Oriental, que durou apenas algumas semanas durante a Guerra Soviético-Finlandesa de 1922, ou tão duradouras quanto o Estado Livre de Orange, uma República Bôer que comemorou cinquenta anos como um estado independente no final do século XIX.
Confinar e cercar um território quase nunca teve a intenção de aumentar a felicidade das pessoas, diz Berge. No livro, o autor mostra que, muitas vezes, é uma questão de ganância de poder, fanatismo e ideologia. Os motivos dos selos mostram com bastante precisão do que se trata: uma cultura machista de monarcas em uniformes, monumentos militares e heróis de todos os tipos. “A ideia [do livro] era contar as histórias da perspectiva dos países que ficaram aquém, que simplesmente não alcançaram o próximo nível”, diz ele, em resposta a perguntas de VEJA enviadas por correio eletrônico. “Como se fosse uma espécie de paralelo cultural para ‘a sobrevivência do mais apto’. Só que com nações que tiveram o mesmo destino do mamute, do Neandertal e do pássaro dodô.”
A Terra hoje contém 206 países diferentes. Mais de mil países e regimes emitiram seus próprios selos. No livro, Berge selecionou apenas 50 de todos os países que desapareceram. “Se eu tivesse coberto todos eles, seriam mais de 15 volumes”, brinca. Para o autor, quanto maior o desgaste causado pelo manuseio e o uso de um carimbo, mais valioso o selo. Por isso, é importante sentir a textura, o cheiro e até o sabor – de goma arábica envelhecida, amido vegetal ou cola animal. Na melhor das hipóteses, algo indefinível pode se originar de manuseio anterior, há muito tempo, em um canto distante do mundo. “Os selos são na verdade como as chamadas chaves de portal nos livros de J.K. Rowling sobre Harry Potter, o jovem mágico”, afirma ele. “Apenas tocando-os, você pode migrar por grandes distâncias.”
Veja, a seguir, alguns exemplos de países que deixaram de existir e seus respectivos selos:
Heligolândia (1807-1890)
População: 2 200
Área: 1,7 quilômetro quadrado
“As duas pequenas ilhas que compõem Heligolândia — “Terra Santa” — situam-se a setenta quilômetros da costa ocidental da Alemanha e, provavelmente, são o remanescente de um arquipélago maior. Segundo o romano Tácito anotou na sua
obra etnográfica Germania, por volta do ano 98, o território se estendia por todo o delta do Elba a ponto de estreitar as margens de ambos os lados. Reza a lenda que, durante a era cristã, Heligolândia abrigou nove paróquias e dois monastérios.”
Corrientes (1856-1875)
População: 6 000
Área: 88 199 quilômetros quadrados
“No seu apogeu, a cidade prosperou como rota de passagem dos jesuítas a caminho das missões nos Andes, a oeste, e no Amazonas, ao norte. Durante o século XIX, cresceu a um tamanho respeitável, com um par de igrejas e vários quarteirões de
casas de tijolos pintadas em tom pastel que raramente tinham mais que uma laje — bem ao típico estilo colonial espanhol. O único elemento que sobressaía eram as árvores em abundância, sobretudo jacarandás e laranjeiras, cuja floração devia resultar num espetáculo ímpar.”
Alwar (1771-1949)
População: 682 926
Área: 8 547 quilômetros quadrados
“O texto no selo de 1877 é escrito no alfabeto devanagari indiano. No alto, fica claro que estamos em Alwar, um principado um pouco maior que o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Na parte interior, está declarado o valor do porte seguido do número 31, o que é um mistério. É provável que as chapas de impressão tenham sido produzida sem 1931 do calendário hindu, o que corresponde a 1875 no calendário gregoriano, mas o selo só veio a ser impresso dois anos depois.”