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Ausência dos EUA e de outros peso-pesados ameaça Pacto de Migração

Acordo deve impactar as vidas de 258 milhões de pessoas, mas não terá 'dentes' para forçar os países a cumpri-lo

Por Da Redação
Atualizado em 30 jul 2020, 20h01 - Publicado em 8 dez 2018, 08h00

A assinatura do Pacto Global sobre Migração durante a conferência de Marrakech, nos dias 10 e 11, está ameaçada pela ausência de pesos pesados da comunidade internacional. Estados Unidos, Itália, Austrália, Israel e vários países da Europa Central anunciaram que não enviarão suas delegações ao Marrocos, alegando o temor de que o pacto represente perda de soberania e a falta de distinção entre  imigração legal e ilegal no rascunho do compromisso final.

Mesmo com as ausências, a reunião terá presença confirmada de dois terços dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Seu documento, porém, poderá impactar as vidas de 258 milhões de pessoas que vivem longe dos locais onde nasceram.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM), calcula que os imigrantes representam 3,4% da população mundial e têm média de idade de 39 anos. Do total, 48% são mulheres e 14% têm menos de 20 anos. Dois terços desta população vive na Europa e na Ásia, e 64% mudaram de país com o objetivo de trabalhar.

Membros da ONU, liderados pela representante especial para Migração Internacional, Louise Arbour, se empenham em repetir que o pacto é um documento não vinculativo. Ou seja, não exige que as medidas nele propostas sejam cumpridas pelos países.

Outra frente de convencimento é a pressão política. Em novembro, Arbour questionou os países que anteciparam suas ausências no Pacto Global sobre Migrações sobre os caminhos diplomáticos adotados. “Para aonde essa atitude os levará como atores internacionais?”, disse a representante especial da ONU.

Arbour lamentou que “certas forças” tenham se apossado do discurso sobre a imigração em vários países e pediu que o debate tenha fatos como base. Ela voltou a afirmar que o Pacto Global não contém obrigações específicas e, por consequência, não viola as soberanias nacionais.

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Suas declarações faziam referência ao discurso alarmista contra imigrantes que se instalou em vários países do mundo, começando pelos Estados Unidos, onde Donald Trump fez do controle migratório uma das grandes bandeiras de seu mandato.

A construção do muro na fronteira com o México dominou a campanha do presidente americano, que agora usa a chegada de uma caravana de 7.000 imigrantes vindos de países da América Central à fronteira como arma política. Trump chegou a ameaçá-los, enviou militares para a região e autorizou o uso de força letal caso necessário.

Diante do discurso de mão firme de Trump, a União Europeia não foi capaz de levantar uma única voz na reunião de Marrakech. A divisão do bloco é evidente na hora de lidar com o tema. Eslováquia, Hungria, República Tcheca, Bulgária e Polônia são se opõem com mais firmeza ao Pacto Global sobre Migração.

A Itália disse que ficará de fora do acordo “por enquanto”, deixando as portas abertas para sua  adesão no futuro. Na Bélgica, o governo enfrenta a resistência interna para assinar o documento em Marrakech. Alemanha e Espanha darão um apoio explícito ao pacto, com a presença no Marrocos da chanceler  Angela Merkel e do primeiro-ministro Pedro Sánchez.

O comissário de Imigração da União Europeia, Dimitris Avramopoulos, pediu aos países que criticam o pacto a “reconsiderar suas posições”.

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“O pacto é um sinal claro a nossos parceiros na África de que realmente queremos cooperar em pé de igualdade com eles para enfrentar o desafio migratório”, afirmou Avramopoulos.

Com uma afirmação mais contundente e menos diplomática, o Alto Comissário da ONU para os Refugiados (Acnur), Filippo Grandi, lamentou em recente entrevista a aparência que a questão migratória está adquirindo na Europa.

“A linguagem política atual, em particular a empregada por certos partidos, está arruinando o conceito do direito de refúgio, que é algo próprio da cultura europeia e faz parte dos valores fundacionais da União Europeia”, afirmou Grandi.

O responsável pela Acnur questionava o discurso alarmista sobre a imigração, quando não abertamente xenófobo, que está ganhando espaço em países da Europa e de outras regiões. Com propostas muito restritivas sobre o tema, partidos de extrema direita estão conquistando o poder em vários locais do mundo.

Crianças migrantes

As crianças Vanessa e Seydi, de 7 anos de idade, se abraçam em acampamento montado por membros da caravana de imigrantes da América Central, próximo da fronteira entre o México e os Estados Unidos, em Tijuana – 27/11/2018 (Lucy Nicholson/Reuters)

Uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revelou que 57% das crianças e jovens refugiados e migrantes estabelecidos em países europeus, asiáticos e africanos deixaram seus locais de origem à força, devido a conflitos ou outros casos de violência.

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O estudo reúne depoimentos de 4 mil refugiados e migrantes de 14 a 24 anos coletados durante três meses. Desse total, 44% dos entrevistados saíram sozinhos dos países onde viviam. Mais da metade perdeu um ou mais anos de ensino, e 49% declararam não ter recebido atendimento médico quando era necessário.

“Enquanto os políticos discutem por causa da migração, 4 mil crianças e jovens deslocados nos dizem que precisam de mais apoio”, afirmou Laurence Chandy, diretor de Dados, Pesquisa e Políticas do Unicef, segundo nota da organização.

O estudo chama a atenção a aspectos nevrálgicos para a discussão do Pacto Mundial para a Migração. O Unicef destacou que seu o objetivo  é “ajudar os dirigentes mundiais e os participantes da conferência de Marrakech a compreender as implicações das políticas migratórias sobre as crianças”.

A organização também pediu aos governos dos países de origem, de trânsito e de destino dos migrantes que deem prioridade ao interesse superior dos menores na elaboração e aplicação de políticas migratórias.

Américas

Famílias de migrantes centro-americanos se dispersam diante de confronto com policiais americanos, na tentativa de atravessar a fronteira entre o México e os Estados Unidos, na cidade de Tijuana – 25/11/2018 (Kim Kyung-Hoon/Reuters)

Os crescentes movimentos migratórios provocados por problemas sociais ou políticos tornaram-se um do foco de tensão nas Américas, com governos do continente tomando decisões desencontradas sobre o tema em meio a uma absoluta falta de diálogo. A América Central e a Venezuela tornaram-se as principais origens de fluxos migratórios no hemisfério, com o México, os estados e países da América do Sul como os maiores destinos.

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País com maior fluxo migratório do mundo, os Estados Unidos endureceram suas políticas desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca, em 2017. O Status de Proteção Temporária (TPS), que beneficiava milhares de imigrantes de El Salvador, Honduras e Guatemala, foi cancelado. Houve deportações maciças e a saída do país do Pacto Mundial da ONU para Migração por “incompatibilidade com a soberania nacional”.

Sob o lema “Estados Unidos primeiro”, Trump adotou a política de “tolerância zero”, que criminalizou os estrangeiros indocumentados vindos pela fronteira com o México e separou mais de 2.000 crianças de seus pais, encarcerados. a Casa Branca chegou a ameaçar o México e a América Central com sanções e a suspensão de ajuda financeira se não forem tomadas medidas, em seus territórios para para controlar os fluxos migratórios rumo aos Estados Unidos.

A América Central, onde começa o maior fluxo migratório para o norte, atravessa uma nova crise humanitária, econômica e de segurança pública. Em 13 de outubro, 2.000 hondurenhos iniciaram uma caravana migrante para os Estados Unidos.

Outras duas caravanas saíram logo depois da Guatemala e de el Salvador. Mais de 7.000 pessoas estão concentradas neste momento em Tijuana, na fronteira do México com o Estado americano da Califórnia, enquanto outros migrantes tentam entrar ilegalmente no país pelo Arizona. O atual êxodo  lembra o drama de centenas de crianças centro-americanas que, em 2014, chegaram aos EUA sem acompanhantes e foram deportadas.

Há cinco anos, Guatemala, Honduras e El Salvador promoveram a Aliança para a Prosperidade do Triângulo Norte, com o apoio dos EUA, para melhorar as condições sociais na região e assim desestimular a migração. No entanto, este pacto não conseguiu, até o momento, reverter as causas estruturais da migração.

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Nesse quadro, o México está em situação mais complexa por ser um país receptor e emissor de migrantes, problema que é aproveitado pelos cartéis da droga e traficantes de pessoas. O governo de Trump ainda pretende construir um muro ao longo dos mais de 3 mil quilômetros da fronteira comum.

Após sua posse como presidente do México, em 1º de dezembro, Andrés Manuel López Obrador assinou com os países do Triângulo Norte um Plano de Desenvolvimento Integral para dar “uma perspectiva regional integral e contemplar a atenção prioritária a todo o ciclo da migração”. A iniciativa responde às ameaças americanas de “consequências” para o México se não contiver o fluxo de centro-americanos em direção a seu território.

Na América do Sul, as crises econômica, política e social da Venezuela forçaram a emigração de mais de três milhões de cidadãos, segundo números da ONU, para a Colômbia, Equador, Peru e Brasil. estima-se que faltem oito de cada dez alimentos da cesta básica, além de remédios. A inflação e desorganização econômica exigem das famílias uma renda mensal de 100 salários mínimos para cobrir suas despesas.

O presidente Nicolás Maduro nega que o país esteja atravessando uma crise migratória e alega que a oposição e vários governos estrangeiros buscam “justificar” uma intervenção militar estrangeira no país.

Mediterrâneo

Imigrantes sub-saharianos são vistos a bordo de um barco superlotado, durante uma operação de resgate da ONG espanhola Proactiva Open Arms, no Mar Mediterrâneo, a 21 milhas ao norte da cidade litorânea libanesa de Sabratha (Giorgos Moutafis/Reuters)

Recentes estatísticas da Organização Internacional para as Migrações (OIM) comprovam que as rotas migratórias no Mediterrâneo mudaram do centro e do leste do mar para o oeste. Em 2018, a rota do Marrocos para a Espanha tornou-se a mais usada pelos migrantes em situação irregular. O país é hoje o principal destino de migração clandestina para a Europa, 52.678 chegadas.

A rota do Mediterrâneo central, da Líbia para a Itália, ainda é a mais perigosa do mundo, com cerca de 1,3 mil mortes neste ano, em comparação com as 681 nas águas entre Marrocos e Espanha. Em 2017,   2.844 casos morreram na travessia entre a Líbia e a Itália, que conseguiu neste ano firmar um acordo com as milícias líbias para transformá-las em guarda costeira e inibir a migração.

Esse acordo, em parte, explica a mudança de rotas, mas especialistas acrescentam outros fatores: a instabilidade na Líbia e a linha dura e anti-imigratória da Itália. Outra razão foi a transferência dos navios das organizações civis de resgate de migrantes para a costa da Espanha depois da Pedro Sánchez de acolher o navio humanitário Aquarius, que transportava 141 imigrantes resgatados do mar.

A diminuição do número de migrantes que tentam atravessar o Mediterrâneo pela Líbia coincidiu com o aumento dos que o tentaram a partir das costas dos outros países do norte da África.

De acordo com o Fórum Tunisiano dos Direitos Econômicos e Sociais, 3.811 cidadãos locais  chegaram à costa italiana entre janeiro e agosto deste ano. Em 2017, esse número era de 1.721. Na Argélia, não há números oficiais, nem registros da OIM. Mas organizações de defesa dos direitos humanos, como a Anistia Internacional, asseguram que mais de 6,5 mil emigrantes procedentes da África subsaariana foram expulsos do país em 2017, principalmente os oriundos do Níger e do Mali.

Em maio, o ministro do Interior da Argélia, Noureddine Bedoui, admitiu que seu país expulsou cerca de 27 mil migrantes irregulares nos últimos três anos. A Argélia é o destino da principal rota de emigração africana do Sahel, que se divide em dois ramos distintos ao conseguir a cidade argelina de Uargla. De lá, um dos grupos parte em direção à Líbia. O outro, segue para a fronteira com Marrocos.

A rota marítima do Marrocos voltou a ser a mais movimentada, tanto por emigrantes subsaarianos como pelos do norte da África. Em boa medida, esse fenômeno sedeve a falta de coordenação entre Rabat, Argel e Trípoli para enfrentar o trânsito migratório.

Na Líbia, as milícias que controlam partes inteiras do país não hesitam em deixar os migrantes em condições de semi-escravidão para extrair dinheiro deles; na Argélia, as autoridades conseguiram até o momento um controle mais eficiente de seu litoral, com uma política ocasional de linha dura contra os subsaarianos.

O Marrocos oscila entre as deportações de curto prazo de africanos subsaarianos – cerca de 80 em 2018 – e um processo de regularização de 50 mil migrantes nos últimos anos. O país está recebendo crescentes ondas de migrantes que sonham em chegar à Espanha em viagem clandestina em  balsas. O custo da jornada é de aproximadamente 2 mil euros, valor que pode subir para 2,5 mil euros para quem quiser um colete salva-vidas.

Segundo dados do Ministério do Interior marroquino, 76 mil tentativas de saídas ilegais para a Espanha foram abortadas pela polícia neste ano.

(Com EFE)

 

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