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As seitas pós-modernas

Visões apocalípticas unem ambientalistas radicais a neofeministas

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 14h54 - Publicado em 13 dez 2019, 06h00

O fim está próximo, diziam os malucos que largavam tudo e se transformavam em profetas do apocalipse retratados comicamente em cartuns sobre a banalidade das previsões escatológicas. A ideia de uma catástrofe definitiva acompanha os humanos desde algum momento no processo evolutivo que levou nosso cérebro a dobrar de tamanho, ao longo dos últimos 2 milhões de anos. Abriu-se, assim, espaço para cogitar que tudo que começa acaba, em seguida vieram o espanto com os mistérios do mundo físico, os rituais funerários, as religiões. A civilização, enfim.

A ideia de largar tudo em nome de uma causa superior, geralmente ligada à iminência do fim dos tempos, antecede em muitos séculos o cristianismo e seus fenômenos messiânicos. A prova definitiva é Diógenes de Sinope, que vivia num barril, buscava homens dotados da verdadeira virtude com uma lamparina, desprezava os bens materiais — e os poderosos — e se dizia uma criatura do cosmo e não da pólis. Um homem do mundo. Sua versão atual, sem a parte da filosofia, é uma menina do mundo, Greta Thunberg. A adolescente sueca venerada como avatar do aquecimento global ainda está a alguns passos de pregar, como Diógenes, a eliminação da moeda e dos impostos, além da antropofagia, mas passa perto. O fim do capitalismo, pelo menos, ela defende. A parte das viagens de avião às quais renunciou é o equivalente contemporâneo ao barril. Os problemas psiquiátricos de Greta — autismo, síndrome de Asperger, depressão profunda, distúrbios alimentares — são comparáveis à anorexia mirabilis de grandes santas da Igreja, como Catarina de Siena e Tereza d’Ávila, místicas e intelectuais forjadas em jejuns extremos, que hoje seriam considerados doentios. Menos para Greta, é claro.

“A ideia de largar tudo em nome de uma causa superior antecede o cristianismo”

O “príncipe descalço”, Harry, que discursou sem sapatos num cabildo de milionários arrebanhados pelo Google, também ainda tem muito desapego para praticar — inclusive o conforto das viagens de jatinho particular — antes de ser comparado a antepassados como Eduardo, um dos integrantes da “cruzada dos príncipes”. O herdeiro abnegado sobreviveu aos sacrifícios na Terra Santa e voltou para ser coroado como Eduardo I, um rei durão que anexou o País de Gales. A maior atribulação de Harry, por enquanto, tem sido não conseguir dormir pensando nos problemas do mundo. É uma característica comum do ambiente de pânico instaurado pelos profetas do aquecimento global catastrófico. O espírito de radicalização, muitas vezes anticientífico e anticivilizatório, contamina desde veganos que se marcam com ferro em brasa até as neofeministas que pregam o terrível rótulo de estuprador a todos os homens. As chilenas do grupo performático Lastesis, com a música e a coreografia de olhos vendados que está correndo mundo, têm um refrão grudento: “A culpa não era minha, nem onde estava, nem como vestia”. Um argumento impecável, destruído pelo que vem em seguida: “O violador é você. São os PMs, os juízes, o Estado, o presidente”. Quando todos são estupradores, ninguém é, obviamente. E não há nada a fazer. O maior risco do milenarismo contemporâneo é justamente isso: a paralisia da impotência e o refúgio num mundo imaginário.

Publicado em VEJA de 18 de dezembro de 2019, edição nº 2665

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