Às ruas, cidadãos
Contra tudo o que enraivece a classe média - baixos salários, serviços ineficientes e até o presidente Macron - os franceses marcharam
Símbolo da França, personificação dos conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade pregados pela Revolução Francesa, Marianne, ela também, entrou na mira dos “coletes amarelos”, que de uma hora para outra surgiram por toda parte e fizeram a França tremer: uma escultura de seu rosto, pregada na parede de uma galeria dentro do Arco do Triunfo, ostentava um buraco no lado direito quando a poeira baixou. Por cinco sábados seguidos, os franceses marcharam, gritaram, enfrentaram a polícia, picharam e quebraram vidraças. Primeiro, por causa de um aumento da gasolina; depois, por tudo o que enraivece a classe média — baixos salários, serviços deficientes, benefícios encolhendo e um presidente, Emmanuel Macron, que foi eleito para mudar para melhor, mas só cuidou de agradar aos ricos.
Macron encastelou-se na indiferença, achando que a onda fosse passar. Nada disso: o movimento, nascido por geração espontânea, criado e multiplicado nas redes sociais, sem instituições nem líderes a guiá-lo, partiu do interior para as grandes cidades e foi ficando cada vez mais violento. A “França profunda” descobriu sua força, pôs o bloco na rua e mostrou que, à semelhança do que ocorreu em outros países, quem tem Facebook não precisa de sindicatos. Restou ao governo afundar cada vez mais na condição de inimigo ou capitular. Capitulou.
O aumento de combustíveis que detonou a mobilização foi adiado. Em seguida, novas concessões foram feitas aos “coletes amarelos” (assim chamados por usarem a veste obrigatória no equipamento de segurança dos carros). Macron, em pronunciamento na TV, admitiu erros, assumiu responsabilidade, elevou o salário mínimo, anulou mais tributos programados e estimulou os empregadores a distribuir bônus aos funcionários. A mobilização perdeu fôlego, mas ficou a pergunta: até quando? É melhor que Marianne se proteja do rolo compressor que a internet pôs em marcha.
Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614