Viver como um rei deixou de ser apenas uma expressão irônica para pessoas que se regozijam muito e não têm sangue azul correndo pelas veias. Passar ao menos um dia como um verdadeiro nobre está, desde o início de junho, ao alcance de qualquer plebeu que tenha pelo menos 10 000 reais extras no bolso para gastar. É o valor mínimo da diária de um dos catorze quartos e suítes disponíveis no recém-inaugurado Le Grand Contrôle, na França. Localizado nas dependências do Palácio de Versalhes, a cerca de 20 quilômetros de Paris, o hotel de luxo do grupo Airelles possibilita aos clientes experiências muito próximas daquelas vividas pela realeza francesa durante seu apogeu, entre os séculos XVII e XVIII, quando reinaram Luís XIV, Luís XV e Luís XVI.
Construído em 1681, o edifício onde funciona hoje o Grand Contrôle foi projetado por Jules Hardouin-Mansart, arquiteto preferido de Luís XIV e um dos principais nomes do estilo clássico francês. O prédio fazia parte do projeto real de ampliação do Palácio de Versalhes e tinha como função abrigar convidados, conselheiros e ministros do rei. Não por acaso, os quartos foram batizados com nomes de personagens que circulavam em torno da realeza, como o próprio Hardouin-Mansart, cujas dependências têm acomodações modestas para apenas duas pessoas. Ou a diplomata sueca baronesa de Staël-Holstein, denominação de uma das maiores suítes, com 150 metros quadrados. Nos aposentos é possível encontrar algumas surpresas, como uma carta indiscreta de madame de Staël para seu amante, o conde de Narbonne-Lara, um soldado francês.
Para abrigar o Grand Contrôle, o edifício foi totalmente restaurado, mantendo características históricas e adaptando-o às necessidades básicas contemporâneas. Mas sem exageros: as TVs dão lugar às vistas da Orangerie e do Lago da Guarda Suíça. Predomina na decoração o estilo do século XVIII. Assim, a iluminação também foi pensada de acordo com a experiência da época. Móveis, tecidos, lustres e banheiras com pés seguem o mesmo padrão, de acordo com o que foi encontrado nos arquivos de Versalhes. Nas paredes, a historiadora da arte Emmanuelle Vidal-Delagneau selecionou pinturas a óleo que remetem ao período. A Maison Pierre Frey foi contratada para recriar pisos e tapeçarias para as paredes com motivos retirados dos livros de história.
A vida é uma festa permanente para os hóspedes do Grand Contrôle no que diz respeito à programação. Ao chegar, o visitante tem designado um mordomo exclusivo, para quem “nenhum pedido é grande ou pequeno demais”, conforme prometido no site do hotel. Entre os passeios disponíveis, fora do horário em que as dependências do palácio estão fechadas para o público comum, é possível andar pelos jardins e corredores da residência, em lugares a que só os reis e rainhas franceses, além de sua corte, tiveram acesso. Na companhia de outros hóspedes, percorrem-se os Grandes Aposentos, o monumental Salão dos Espelhos, a Ópera Real e a Capela Real. Durante as manhãs, há visitas guiadas ao Palácio Pequeno Trianon, que foi dado de presente por Luís XVI à sua rainha, Maria Antonieta. A cada dia, um novo aposento e um novo jardim são revelados aos visitantes.
O francês Alain Ducasse, chef com o maior número de estrelas do Guia Michelin, comanda a programação culinária, que segue o ritual de Luís XIV, com várias refeições pontuadas por breves pausas. No chá da tarde, que remete a Maria Antonieta, não faltam os brioches em estilo vienense que a rainha tanto adorava, além do chocolate quente com a assinatura de Ducasse. O jantar é o ponto alto, com cinco rodadas de pratos, tudo servido por garçons vestidos em trajes da época. Para completar, o spa da marca suíça Valmont conta com piscina coberta e aquecida de 15 metros e oferece tratamentos de beleza dignos da realeza. Mais do que reproduzir uma experiência que não tem mais paralelo no mundo contemporâneo, a reabertura do Grand Contrôle é uma aposta na recuperação da indústria hoteleira da França, atingida pela pandemia de Covid-19. É, goste-se ou não de tamanha opulência, um retorno em grande estilo.
Publicado em VEJA de 7 de julho de 2021, edição nº 2745