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Adquirir ‘know-how’ é importante para o desenvolvimento dos países

Se as ideias são fáceis de copiar e os dispositivos são fáceis de transportar, por que persistem diferenças na tecnologia entre os países? Para professor de Harvard, o nível de conhecimento é o que faz diferença

Por Ricardo Hausmann*
12 Maio 2014, 15h05

Não há nada melhor que a linguagem pouco clara para causar o caos – ou para facilitar o consenso. Segundo Ludwig Wittgenstein, os paradoxos filosóficos são apenas uma consequência do uso inapropriado da linguagem. Por outro lado, a arte da diplomacia consiste em encontrar uma forma de linguagem que possa esconder o desacordo. Uma ideia com a qual os economistas concordam de maneira quase unânime é a de que, além da riqueza, a maior parte da enorme diferença de rendimento entre os países ricos e pobres não é imputável ao capital ou à educação, mas à tecnologia. Então, o que se entende por tecnologia?

A resposta a essa pergunta explica o consenso pouco usual entre os economistas, porque a tecnologia é medida como uma espécie de categoria “nenhuma das anteriores”, em um exame de múltipla escolha, ou seja, uma categoria residual – laureado com o Nobel, Robert Solow nomeou essa medida como “produtividade total de fatores” – que permanece inexplicável, após se contabilizarem outros meios de produção, tais como o capital físico e humano. Como foi adequadamente notado em 1956 por Moses Abramovitz, este residual não é mais do que “uma medida da nossa ignorância”. Portanto, concordar que a tecnologia reforça as diferenças na riqueza das nações parece mais significativo do que confessar a nossa ignorância, mas na verdade não o é. E é a nossa ignorância que devemos encarar.

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Em um importante livro, W. Brian Arthur define a tecnologia como um conjunto de dispositivos e práticas de engenharia a que uma cultura tem acesso. Mas os dispositivos podem ser armazenados em um recipiente e enviados para qualquer parte do mundo, enquanto as receitas, os modelos, e os manuais de funcionamento podem ser publicados on-line, deixando-os à distância de apenas uns cliques. Seria lógico concluir que, a internet e o mercado livre deveriam fazer com que as ideias e mecanismos a que chamamos tecnologia estivessem disponíveis em todo o mundo.

De fato, grande parte da teoria moderna do crescimento, surgiu com os estudos do final década de 1980, de Paulo Romer, proveniente do conceito de que as ideias são difíceis de criar, mas fáceis de copiar. É por isso que é preciso proteger os inventores com patentes e direitos autorais, ou subsídios fiscais pelos governos. Então, se as ideias são fáceis de copiar e os dispositivos são fáceis de transportar, por que persistem diferenças na tecnologia entre os países?

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Quando alguma coisa perturba uma ordem natural benéfica, os humanos anseiam por histórias que incluam alguma força maligna. Por exemplo, o argumento do livro Why Nations Fail (Por Que as Nações Fracassam?), obra de Daron Acemoglu e James Robinsn, é essencialmente que a tecnologia não se difunde porque a elite dominante não quer que ela se difunda. A elite impõe instituições extrativas (más) em vez de adoptar instituições inclusivas (boas); e, porque a tecnologia pode perturbar o seu controle sobre a sociedade.

Como venezuelano que assiste neste preciso momento ao colapso do seu país, não tenho dúvidas de que existiram muitos casos na história humana, durante os quais os detentores do poder impediram o progresso. Mas estou também chocado pela frequência com que os governos que adotam como meta o crescimento partilhado não o conseguem atingir seus objetivos – a África do Sul do pós-apartheid é um bom exemplo.

Esses governos promovem a educação, o comércio livre, os direitos de propriedade, programas sociais, e a internet, e mesmo assim a economia dos seus países continua sem decolar. Se a tecnologia é apenas um conjunto de dispositivos e ideias, então o que é que os impede de progredir? O problema é que um componente principal da tecnologia é o know-how ou conhecimento, ou seja, a capacidade de desempenhar uma tarefa. E esse know-how, ao contrário dos dispositivos e ideias, não implica entendimento nem pode ser adquirido através deste.

O campeão de tênis Rafael Nadal, na verdade, não sabe o que faz quando devolve um saque com sucesso. Ele apenas sabe como fazê-lo; é impossível para ele colocar sua ação em palavras, e qualquer esforço para fazê-lo não transformará o resto de nós em melhores jogadores. Sobre esse conhecimento tácito, o cientista e filósofo Michael Polanyi diria: “sabemos mais do que conseguimos explicar”.

Portanto, não precisamos recorrer às elites extrativas ou a outras forças malignas para explicar o motivo pelo qual grande parte da tecnologia não se difunde. Isso acontece porque a tecnologia na maioria das vezes requer know-how, que consiste numa capacidade de reconhecer padrões e de responder com ações eficazes. O know-how é uma trama no cérebro que pode precisar de muitos anos de prática para ser conquistada, e que torna a sua difusão da tecnologia muito lenta. Como já mencionei anteriormente, o know-how move-se para novas áreas quando os cérebros que o transportam se movem para lá. Quando chegam ao destino, podem formar outros.

Além disso, agora que o know-how está se tornando cada vez mais coletivo, e não individual, a difusão é ainda mais lenta. O know-how coletivo refere-se à capacidade de desempenhar tarefas que não podem ser efetuadas de maneira individual, como tocar uma sinfonia ou entregar o correio: nem um violinista nem um carteiro conseguem fazê-lo sozinhos. Do mesmo modo, uma sociedade não pode simplesmente imitar a ideia da Amazon ou do eBay a não ser que a maioria dos seus cidadãos já tenha acesso à internet, a cartões de crédito, e ao correio. Em outras palavras, as novas tecnologias exigem a difusão prévia de outras tecnologias.

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É por isso que as cidades, regiões, e países só conseguem absorver tecnologia de um modo gradual, gerando crescimento através de alguma recombinação do know-how que já possuam, talvez acrescentando algum componente – como um contrabaixista para completar um quarteto de cordas. Mas não é possível evoluir de um quarteto para uma orquestra filarmônica de uma só vez, porque faltariam muitos instrumentos – e, mais importante, muitos músicos que os saibam tocar.

O progresso acontece de acordo com o que o cientista Stuart Kauffman chama de “possível adjacente”, o que sugere que a melhor forma de encontrar o que é mais provável de ser factível em um país é considerar o que já lá existe. É possível que em algumas ocasiões haja causas políticas que realmente impeçam a difusão tecnológica; mas, de um modo mais genérico, a tecnologia não se difunde por causa da própria natureza da tecnologia.

*Ricardo Hausmann, ex-ministro do planejamento da Venezuela e ex-economista-chefe do Banco Interamericano de desenvolvimento (BID), é professor de economia na Universidade de Harvard, onde também é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional.

© Project Syndicate, 2014

(Tradução: Roseli Honório)

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