‘A pátria não se vende’: argentinos protestam após megadecreto de Milei
Medida com 300 pontos inclui reformas trabalhistas, privatizações e desregulação da economia; também houve panelaços contra o governo na noite anterior
Após o governo do presidente da Argentina, Javier Milei, emitir um “megadecreto” com mais de 300 pontos, em que foram incluídas reformas trabalhistas, privatizações e desregulação da economia, nesta quinta-feira, 21, houve uma manifestação espontânea de milhares de pessoas em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires.
Entre os gritos mais escutados no protesto estava “a pátria não se vende”, em referência ao Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) anunciado na noite de quarta-feira 20.
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Ainda não houve registro de confronto com a polícia, que ocupa em peso a capital a mando do governo federal. Porém, o clima é de tensão, já que o Ministério da Segurança divulgou, na semana passada, um protocolo que permite intervenção da polícia e a identificação de pessoas que bloqueiam ruas por meio de câmeras de segurança e drones, com objetivo de cortar os benefícios sociais desses manifestantes.
Antes do protesto, Buenos Aires registrou panelaços e buzinaços durante mais de meia hora na noite de quarta, durante e após pronunciamento de Milei sobre o megadecreto, que ele diz ser o caminho para a recuperação econômica do país.
Megadecreto
Com 366 artigos, o documento anunciado por Milei na quarta-feira viabiliza a desregulação profunda da economia do país, propõe um “plano de estabilização de choque”, revoga múltiplas leis e tem a intenção de avançar na privatização de estatais.
“Estamos fazendo o máximo para tentar diminuir a crise que herdamos. Elaboramos um plano de estabilização de choque; uma política cambial e monetária que inclua o saneamento do Banco Central”, afirmou o ultraliberal.
Entre as medidas incluídas no pacote está a revogação da lei do arrendamento e da lei da oferta.
Medidas anti-protestos
Na quarta-feira, o governo Milei se deparou com o primeiro grande protesto da gestão, uma homenagem aos 39 mortos nos protestos de 19 e 20 de dezembro de 2001, ano da pior crise econômica e social que o país já teve. A população foi às ruas mesmo com a ameaça do chamado protocolo anti-piquetes, anunciado pela ministra da Segurança e ex-candidata presidencial, Patricia Bullrich.
O governo declarou na segunda-feira 18 que os manifestantes que participarem de atos que bloqueiem ruas e rodovias terão seus benefícios de assistência social cortados. A declaração da ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, ocorre depois do gabinete já ter anunciado que o bloqueio de vias levaria a “sanções severas”.
“Os únicos que não irão receber [programas sociais] são os que vão a protestos e bloqueiam a rua”, alertou Pettovello em discurso.
“Informamos que todos aqueles que tenham promovido, instigado, organizado ou participado dos bloqueios perderão o diálogo com o Ministério do Capital Humano”, acrescentou a chefe da pasta que absorveu as anteriores de Educação, Cultura, Trabalho e Desenvolvimento Social. “Quem bloqueia não recebe”, concluiu.
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As organizações de esquerda, como o Polo Obrero, que encabeçaram o ato da quarta-feira, não se intimidaram. O grupo estimou entre 30 e 40 mil participantes, e disse que contou com o apoio de advogados e líderes de direitos humanos para evitar prisões.
Risco sério
A ameaça a respeito de cortes de benefícios não é coisa pouca. Na Argentina, uma multidão de pessoas tem acesso a uma ampla gama de programas sociais, vitais para manter o tecido social da nação: nos últimos dez anos, a taxa de pobreza no país saltou 15 pontos percentuais, levando mais de 40% da população a essa condição, segundo o Indec, instituto de estatísticas do país.
Os subsídios do governo, direta ou indiretamente (via deduções de imposto), chegam a 95% das crianças e jovens com menos de 17 anos. Para se ter noção, em 2022, o Estado pagou 79% do custo da luz e 71% do gás a todos os conectados à rede. Esses gastos, responsáveis por manter o tecido social de um país acossado pela pobreza, abatem 2,5% do PIB anualmente, e representam 82% do déficit fiscal.