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A morte no telhado

Acuado e com negócios em decadência, Pablo Escobar, o rei da cocaína, é fuzilado na Colômbia, mas seu lugar já tem novos donos

Por Acervo VEJA
Atualizado em 9 set 2016, 12h08 - Publicado em 2 set 2016, 08h00
Reportagem publicada em 8 de dezembro de 1993, edição 1317. Veja mais no Acervo Veja.
Reportagem publicada em 8 de dezembro de 1993, edição 1317. Veja mais no Acervo Veja. (Reprodução/VEJA)

Exceto um cigarrinho de maconha fumado socialmente, Pablo Escobar, o rei da cocaína, fazia questão de jamais consumir drogas, mas era dado a delírios de grandeza típicos de viciados irrecuperáveis. Dizia – e parecia acreditar – que chegaria a presidente da Colômbia. Quando fugiu da prisão, em julho de 1992, estava convencido de que o presidente americano George Bush, em campanha para reeleição, planejava sequestrá-lo e levá-lo a julgamento nos Estados Unidos, numa jogada para reverter o declínio nas pesquisas. Ao saber que havia uma recompensa de 6 milhões de dólares pela sua captura, vivo ou morto, deu risada e falou que no ano 2049 ainda teria saúde suficiente para soprar velhinhas na festa do centésimo aniversário.

Na quinta-feira passada, um dia depois de completar 44 anos, Escobar foi localizado por forças do governo numa casa de dois andares, num bairro de classe média de Medellín. Um vizinho descreve o que aconteceu. “Escutei uns gritos e vi um homem gordo e barbudo correndo descalço em cima do telhado”, diz a testemunha. “Na hora em que ele tentou pular uma mureta, começou a fuzilaria e ele caiu com a cabeça ensanguentada.” O único guarda-costas que o acompanhava, conhecido pelo apelido de “El Limón”, também foi fuzilado pelas forças de segurança. Assim que terminou, em meio a um monte de telhas quebradas, como um traficante pé-de-chinelo de alguma favela carioca, o bandido que durante dez anos desafiou o governo numa guerra terrorista na qual morreram cerca de 5.000 pessoas, entre elas três candidatos presidenciais, um ministro da Justiça, dezenas de juízes e jornalistas.

Grampo Americano – Caçado durante dezesseis meses por milhares de homens, o chefão do Cartel de Medellín foi vítima da mais banal das estratégias policiais – usar a família do criminoso como isca. No dia 2 de novembro, o procurador-geral Gustavo de Greiff avisou que seria retirada a escolta de quarenta agentes que protegia a mulher e os dois filhos do traficante, ameaçados de morte por um grupo intitulado Los Pepes – as iniciais de “Perseguidos por Pablo Escobar”. Não havia como correr riscos: desde o início do ano, mais de oitenta integrantes do cartel tinham sido assassinados pelos “pepes”, um esquadrão da morte formado por sócios e parentes de traficantes eliminados por ele, numa das muitas e delirantes brigas que comprou com o establishment, criminoso ou oficial. No dia 27, um sábado, sua mulher, Maria Victoria, embarcou para Frankfurt, na Alemanha, junto com os filhos Juan Pablo, de 16 anos, e Manuela, de 9. Foram deportados de volta, como “indesejáveis”. Escobar ficou indignado. Na segunda-feira, telefonou para uma emissora de rádio e protestou contra o governo alemão. “Minha família é inocente”, proclamou. As equipes de grampo telefônico do Bloco de Busca – o organismo misto da polícia e das Forças Armadas formado especialmente para capturar o czar das drogas – conseguiram localizar o bairro de Medellín de onde ele fazia as chamadas telefônicas. Na quarta-feira, Escobar fez aniversário e estava deprimido. Novamente pegou o telefone e conversou com a mulher e os filhos, em Bogotá. Foi o princípio do fim. Com o auxilio de equipamentos fornecidos pelo governo dos Estados Unidos, localizou-se seu esconderijo.

Os telefonemas foram o desfecho de uma sequência de erros, que começou coma fuga espetacular do presídio de Envigado. Fruto de um acordo no qual impusera ao governo os termos de sua rendição, o encarceramento de Escobar não passava de uma farsa. Na prisão, protegido por guardas escolhidos por ele mesmo, promovia festas (numa delas, posou fantasiado de mexicano) e reuniões com seus parceiros do narcotráfico. Depois de uma dessas reuniões, em que houve briga pela repartição dos lucros, apareceram nos arredores do presídio os cadáveres de duas duplas de irmãos, William e Julio Moncada e Fernando e Mario Galeano. Dias depois, a irmã de dois dos mortos, uma advogada chamada Victoria Galeano, ou “Pepa”, botou a boca no trombone. De um avião alugado, espalhou panfletos acusando Escobar pelos assassinatos e denunciando as mordomias no cárcere. O escândalo obrigou o governo a tentar – com rara incompetência – transferi-lo para um presídio de verdade, o que precipitou sua decisão de cair fora.

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Jogo Duro – A fuga de Escobar, em plena luz do dia e com evidente cumplicidade oficial, provocou uma crise no governo colombiano, que se viu obrigado a demitir altos funcionários e chefes militares envolvidos na desastrada operação. Até o presidente Cesar Gaviria passou pelo vexame de ser interrogado pela comissão especial do Senado que apurou responsabilidades pela fuga. Humilhado, Gaviria endureceu o jogo. Quando o barão da cocaína tentou negociar sua volta ao cárcere, respondeu que só aceitaria a rendição incondicional. De quebra , adotou o expediente italiano  de reduzir as sentenças dos criminosos que colaborassem com a polícia. Dos nove comparsas que escaparam da prisão com Escobar, sete se entregam. Os dois restantes foram mortos.

O pior de tudo eram os “pepes”. Em janeiro, o grupo clandestino destruiu as casas de campo da mãe e da mulher de Escobar, incendiando também sua preciosa coleção de carros antigos. Nos meses seguintes, foram assassinados três de seus melhores advogados, um cunhado e seu provador de pratos oficial, Angelito. Em outubro, um comando do Cartel de Cali, que disputava com a gangue de Escobar o controle do narcotráfico, atacou com lança-granadas o edifício onde sua família estava escondida, sob proteção das autoridades. Como os únicos que sabiam do paradeiro  dos familiares do traficante eram as forças de segurança, não foi difícil deduzir que houve um vazamento de informação.

Festa em Cali Quando tombou morto no telhado, Escobar havia muito estava em plena decadência. Os negócios diminuíam, prejudicados pela fuga constante e pelas inimizades letais conquistadas no mundo do crime. A agência antidrogas do governo americano, a DEA, anunciou que a atuação do Cartel de Medellín, que chegou a controlar 80% da cocaína exportada para os EUA, caiu 20%. A revista Forbes rebaixou Escobar na lista dos milionários, diminuindo a estimativa de sua riqueza de mais de 2 para 1 bilhão de dólares. Acuados, os homens de Escobar chegaram a achacar viúvas de membros do Cartel em busca de dinheiro.

A morte do inimigo público número 1 não põe fim ao narcotráfico na Colômbia. O Cartel de Medellín acabou, mas deixo sucessores. Na quinta-feira, quando o corpo de Escobar jazia numa mesa de necrotério de Medellín, com dois tiros na cabeça, o responsável pela DEA em Miami, Tom Cash, informava que os irmãos Gilberto e Miguel Rodríguez Orejuela, donos do Cartel de Cali, controlavam 70%  do comércio milionário da cocaína. Mais cautelosos do que Escobar, os Orejuela fazem de tudo para evitar o confronto com o governo. Na sexta-feira passada, enquanto os moradores das favelas de Medellín faziam fila para o adeus a Escobar, que sempre soube comprar a simpatia de sua gente com obras assistenciais, nos bares de Cali o dia era de festa.

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