Mais de 244 milhões de cidadãos estão habilitados a votar nas eleições do dia 5 de novembro, nos cinquenta estados americanos. Em 43 deles, a disputa está praticamente decidida — segundo as pesquisas, ou o Partido Democrata ou o Partido Republicano tem no mínimo 60% de chance de cantar vitória. Restam sete com resultados ainda indefinidos: Pensilvânia, Wisconsin, Carolina do Norte, Nevada, Arizona, Michigan e Geórgia, os chamados swing states, os estados pêndulos, que podem pender para lá ou para cá. Não são os mais importantes, nem os mais ricos, nem os menos favorecidos, mas nesta reta final todos os olhos estão voltados para eles e para o seu punhado de eleitores ainda sem voto certo. É lá que Donald Trump e Kamala Harris gastam garganta e sola de sapato nestes dias, sendo um deles, a Pensilvânia, o percurso mais trilhado da maratona — por obra e graça do inusitado sistema eleitoral dos Estados Unidos, é desse ponto do nordeste, uma das treze colônias originais da formação do país, que sairá o novo ocupante da Casa Branca.
Nesta fase da campanha, Trump concentra a maioria de seus célebres comícios — nos quais passa horas falando sobre assuntos desconexos e animando a plateia de fãs ensandecidos — na cobiçada Pensilvânia. Em um dos mais recentes, na cidade de Butler, onde em julho sofreu um atentado do qual saiu com a orelha ensanguentada, fez-se acompanhar no palco de Elon Musk, o bilionário dono da Tesla, que já lhe doou 75 milhões de dólares e, de tão empolgado, chegou a saltar no ar. Em outro, uma sessão de perguntas e respostas em Oaks, passou quarenta minutos quase sem falar, sacudindo-se ao som de suas canções preferidas. “Quem ganhar a Pensilvânia, ganha tudo”, já vaticinou. Na chapa rival, Harris escolheu a mesma Pensilvânia para lançar sua plataforma econômica, anunciar o vice, Tim Walz, e dar início a uma série de entrevistas importantes. Também lá, na Filadélfia, os dois se enfrentaram no seu primeiro e único debate. No total, Harris e Trump visitaram o estado 46 vezes e despejaram 140 milhões de dólares em propaganda de rádio e TV.
Tamanha obsessão é explicada pelas normas que regem o sistema eleitoral americano, no qual o presidente é definido não pelo voto direto, mas pelos 538 delegados que irão proclamar a preferência de cada estado no Colégio Eleitoral. A distribuição dos delegados é proporcional à população, sendo campeões de representação a democrata Califórnia (54) e o republicano Texas (40). Pela regra batizada de winner takes all, o candidato que vence em um estado leva todos os seus delegados, mesmo que a margem seja pequena. Conquista a Casa Branca quem conseguir amealhar 270 votos (metade mais um), o sonhado “número mágico”. “Os votos dos indecisos ganham importância devido à extrema polarização no país”, diz David Schultz, especialista em eleições da Universidade Hamline.
A maior parte dos estados americanos vota consistentemente em republicanos (vermelhos) ou democratas (azuis) — de 2000 para cá, 38 deles deram vitória ao mesmo partido em todas as votações. Segundo as projeções, Trump deve ganhar em 24, o que lhe confere 219 votos no Colégio Eleitoral, e Harris deve triunfar em dezenove mais a capital, Washington, somando 225 votos. Entra então no palco a contagem convoluta das intenções dos eleitores nos sete swing states, onde as pesquisas mostram margens apertadas (veja o gráfico): Trump e Harris lideram três estados cada e empatam em um. Como a Pensilvânia, o quinto estado mais populoso do país, tem o maior número de delegados do grupo — dezenove — no Colégio Eleitoral, é lá que Trump faz tudo o que pode para atrair a classe média de áreas decadentes, enquanto Harris batalha pela preferência entre jovens, mulheres e negros. “As duas campanhas têm como alvo central um contingente que gira em torno de 150 000 eleitores indecisos”, diz David Damore, cientista político da Universidade de Nevada.
Uma série de fatores pode alterar a inclinação política de um estado, entre eles a movimentação de pessoas em busca de empregos, o envelhecimento e a aposentadoria de parcelas da população e a imigração. Também há diferenças entre regiões urbanizadas, em geral azuis, e rurais, onde reina o vermelho. “É como se fosse um quebra-cabeça. As flutuações alteram a composição demográfica, modificando o tecido político”, diz Jennifer Clark, professora de ciência política na Universidade de Houston. O Arizona, que já foi republicano, passa por acelerada urbanização e entrou para a ala dos swing states. Já a Flórida, antes um estado pêndulo crucial por causa de seus trinta delegados no Colégio Eleitoral, tornou-se republicana devido à expansão da conservadora comunidade latina e do alto contingente de aposentados. A apuração em novembro deve levar vários dias de muita tensão — e muita conta para ver quem, em janeiro, vai se mudar para a Casa Branca.
Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2024, edição nº 2915