Na dança dos poderosos chefões, a banda oriental do planeta, neste 2022 que se vai, cravou de vez como verdade, conveniente ou não, que a China é superpotência global e Xi Jinping, seu líder inconteste. A entronização, em simples cadeira de plástico no imenso Salão do Povo em Pequim, se deu no 20º Congresso do Partido Comunista da China (PCC), em outubro, quando o presidente Xi ganhou por quase unanimidade um inédito terceiro mandato — o que, somado aos dois que já cumpriu, lhe garante ao menos quinze anos seguidos de poder, façanha só superada pelo Grande Timoneiro Mao Tsé-tung. Com a bênção do novo Comitê Permanente do Politburo, órgão máximo do partido único agora formado integralmente por fiéis aliados escolhidos a dedo, o presidente chinês tem passe livre para formatar a China dos seus sonhos: ordeira, patriota e produtiva internamente, e hegemônica, influente e dominante no plano econômico externamente.
Por mais que exerça férreo controle sobre o cotidiano dos cidadãos e disponha de ferramentas para moldar os rumos da indústria — hoje em dia o país é a fábrica do mundo — a seu bel prazer, Xi, o todo-poderoso, tem de se adaptar a fatores que não domina. Um é a pandemia que não vai embora (culpa, em parte, de vacinas de menor qualidade e mal distribuídas), gerando tamanha insatisfação que as maiores cidades chinesas se viram tomadas por protestos, raríssimos na China de Xi. O governo decidiu flexibilizar sua draconiana política sanitária, que incluía quarentena em cidades inteiras, mas a reabertura caótica fez disparar casos da doença e provocou tanto medo na população que quase ninguém sai de casa. Outro é a retração econômica, flagelo disseminado pelo globo. E, acima de todos eles, paira o clima hostil nas relações com os Estados Unidos, a superpotência concorrente que quer de todas as formas espremer o ímpeto do expansionismo do gigante oriental — entrando nessa conta a explosiva situação de Taiwan, ilha com governo independente que Pequim faz questão de enquadrar e que o governo de Joe Biden faz questão de defender e claramente apoiar.
Depois de passar o ano às turras, Xi e Biden, conhecidos de longa data (tiveram vários encontros quando ambos eram vice-presidentes), finalmente estiveram juntos na reunião do G20 em Bali, na Indonésia, em novembro. Do aperto de mão em público, com sorrisos de parte a parte, e das três horas de reunião que se seguiram saíram promessas de cada qual continuar a se interpor aos propósitos do outro, mas de maneira civilizada e organizada, como convém a rivais que se respeitam. A intenção é evitar atritos mantendo contatos frequentes entre seus diplomatas. Até que a próxima batalha pela supremacia global os separe.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821