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Abaixo o romantismo

Mestre em desmantelar conceitos vistos como verdades absolutas, Alain de Botton diz que a procura do relacionamento ideal prejudica a vida de todo mundo

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 9 nov 2018, 07h00 - Publicado em 9 nov 2018, 07h00

Dentro do saudável movimento de fazer da filosofia um tema pop des­taca-se o pensador Alain de Botton, de 48 anos. Nascido na Suíça e radicado em Londres, ele usa linguagem simples para ensinar pessoas a transplantar ideias complexas para o cotidiano. É um tipo de autoajuda inteligente que faz enorme sucesso: seus livros foram traduzidos em mais de trinta países. De Botton falou a VEJA pouco antes de chegar a São Paulo para o lançamento, na quarta-feira 21, do livro Grandes Pensadores, e para a celebração dos cinco anos da fundação no Brasil da School of Life.

A culpa é do romance

“A proposta do romantismo — invenção surgida na Europa no século XVIII — é que, se você realmente ama uma pessoa, você a ama “como ela é” e não deseja mudar nada nela. Uma ideia linda, sem dúvida, mas nada realista e geradora de grandes tensões. Outras “verdades” disseminadas pelo romantismo são igualmente destrutivas. O casamento (até então uma união prática e morna) acabou fundido com o amor passional, urdindo a fábula do casamento duradouro movido a amor e paixão. Outra ilusão foi a crença de que o amor verdadeiro traz o fim de toda e qualquer solidão. E de que o parceiro certo nos entende completamente, sem palavras. Enfim, falando francamente: o romantismo foi um desastre para o amor.”

Seja pessimista

“Ninguém nos aborrece e decepciona tanto quanto a pessoa com quem casamos — porque é nela que depositamos nossas mais altas expectativas. Por isso mesmo, o alicerce do bom casamento repousa, isto mesmo, em um certo pessimismo. Essa é uma palavra feia, associada a fracasso, a desestímulo. Mas, no casamento, um toque de pessimismo é garantia de sucesso. Os casais mais felizes são aqueles que começam a vida a dois sabendo que um vai infernizar a vida do outro de vez em quando.”

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Viva a diferença

“Você está pronto para se casar não quando encontra ‘a pessoa certa’, mas sim quando entende que a pessoa certa não existe — e tudo bem. Desista da perfeição e reconheça que somos uma espécie cheia de falhas. Mate e enterre a ideia de que terá uma união ideal com qualquer criatura desta galáxia. Relacionamentos são, no máximo, bons o suficiente. A melhor pessoa para você não é aquela que tem os mesmos gostos, mas a que sabe negociar as diferenças de gosto de forma inteligente e positiva, a que sabe discordar. A capacidade de tolerar diferenças é a verdadeira marca da ‘pessoa certa’. Compatibilidade é uma conquista do casamento, e não um pré-requisito.”

O essencial é ser prático

“Todas as situações humanas exigem compromisso, o casamento inclusive. Não é uma palavra agradável — o ideal seria um relacionamento em que não se tivesse de fazer acordos. É comum olhar com desdém para o casal que permanece junto não por causa de um amor permanente e inabalável, mas por razões pragmáticas e nada românticas: pelos filhos, porque eles percebem que não têm ninguém melhor com quem ficar, porque não querem ficar sozinhos. Isso, contudo, não quer dizer que os dois tenham desistido do amor, e sim que captaram, realisticamente, a dimensão prática do casamento. Trata-­se de uma aliança econômica, um acordo para criar uma família, uma gestão doméstica em equipe, uma parceria social, um seguro para a velhice. E esses são projetos sérios e dignos. Casais que cedem não são inimigos do amor. Na verdade, podem estar na vanguarda da compreensão do que uma relação duradoura requer e de qual é a sua razão de ser.”

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Um vício como os outros

“Está cada vez mais difícil encontrar alguém, ou alguma coisa, mais interessante do que o celular. E não há nenhum tipo de relacionamento que não tenha sentido o profundo impacto da presença do telefone. A beleza e a relevância do smartphone não seriam motivo de preocupação se não suspeitássemos, lá no fundo, que esse aparelho abriu portas, mas arrisca fechar outras. Mesmo sem se injetar substâncias ilícitas ou se encher de álcool, a maioria das pessoas é viciada em algum tipo de droga. Vício é depender de alguma substância (ou máquina) que nos distancie de nossos medos e das esperanças, é qualquer rotina que evite um encontro franco e justo com a mente. Dizer que estamos viciados em celular não significa só que o usamos demasiadamente. Ele nos mantém longe de nós mesmos. Evita que nos sintamos sozinhos numa sala, com nossos pensamentos. Vício é uma palavra horrível, mas expressa uma tendência normal: a de fugir das alegrias e dos terrores do autoconhecimento.”

Mostre seu lado ruim

“A boa amizade é meio misteriosa: de repente, conhecemos alguém e acontece um ‘clique’. Mas no coração das boas amizades mora um fator imprescindível: a vulnerabilidade. Pensamos que os outros gostam de nós por nossos pontos fortes, nossas realizações. Isso impressiona, mas não é preponderante. Você se aproxima verdadeiramente de uma pessoa quando os dois são capazes de se afastar do script oficial e começar a mostrar as verdades esquisitas escondidas atrás da fachada alegre, a mostrar coisas que, em mãos erradas, poderiam resultar em dolorosa humilhação. Amizade é o dividendo da gratidão que flui da percepção de que o outro lhe oferece algo muitíssimo valioso: a chave para sua autoestima e sua dignidade.”

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Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608

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