Os 355.000 moradores da cidade de Caucaia, no Ceará, a 20 quilômetros de Fortaleza, vão amanhecer no dia 12 de setembro com uma novidade, na Praça do Anfiteatro, a um só tempo lúdica e seríssima, do ponto de vista do cotidiano de seus cidadãos. Um evento, a “Abolição das Catracas”, celebrará a inauguração do projeto de um memorial – sim, um memorial – com esculturas feitas a partir de catracas desativadas de ônibus. É aceno a um interessante movimento iniciado em setembro de 2021, no auge da pandemia, com o fim da cobrança no transporte público.
“A ideia da obra é transformar um objeto limitante, que requer que você faça um pagamento, para algo que represente um gesto de liberdade”, diz o artista plástico Narcélio Grud. “A partir da sucata, farei uma flor chamada dente-de-leão, que tem por natureza soltar suas sementes com o vento, trazendo um significado de libertação.”
O programa de tarifa zero, a gênese do fim das catracas nos 70 veículos da frota municipal, com cerca de 2 milhões de viagens mensais, impactou a população em vários aspectos, com evidentes ganhos econômicos e sociais. Além disso, com transporte de graça, há mais acesso à cultura e lazer, além de permitir que as pessoas em busca de emprego não gastem o dinheiro que lhes falta. Há avanço também na questão ambiental, com a redução de veículos nas ruas, e, portanto, menos emissão de CO2 e maior fluidez do trânsito. Há ainda um outro aspecto interessante, de inclusão: os equipamentos provocavam desconforto para mulheres grávidas, pessoas obesas e um obstáculo para deficientes físicos.
O PULO DO GATO
A proposta nasceu com o nome “Bora de Graça”, pelas mãos do prefeito Vitor Valim (PSB), que não é candidato à reeleição, em gesto louvável de desapego. Aprovada pela Câmara Municipal, passou a vigorar em 2021 – e, agora, chega a seu ápice com a desativação dos mecanismos de pagamento. O pulo do gato inovador: por não precisarem fornecer o vale-transporte para seus funcionários, as empresas de Caucaia economizam algo em torno de 2,2 milhões de reais. Foi aí que os metalúrgicos do município sugeriram que a quantia fosse revertida em forma de cestas básicas mensais. A ideia segue em negociação entre os sindicatos. Se vigorar, será mais um exemplo para outros municípios de porte pequeno e médio que ensaiam entrar na valsa.
Outras 84 cidades brasileiras, a exemplo de São Caetano do Sul (SP), já adotaram o passe livre – que depende, é claro, de boa vontade e contas bem-feitas, e que em 2013 acenderam o rastilho de pólvora das manifestações que se espalharam pelo país, contra tudo e contra todos.