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Paladar no pódio: o refinado menu dos Jogos de Paris

Atletas — e torcedores — terão um inédito cardápio de mãos dadas com a história da culinária francesa

Por Fábio Altman Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jul 2024, 23h04 - Publicado em 19 Maio 2024, 08h00

Dos 10 500 atletas que competirão na Olimpíada de Paris, pouco menos de 1 000 sairão com alguma medalha pendurada no pescoço — nove em cada dez, portanto, não subirão ao pódio. É um engano, contudo, achar que voltarão para casa com água na boca. Não. Os Jogos parisienses, comme il faut, serão os primeiros a oferecer aos esportistas uma experiência gastronômica cinco estrelas. O comitê organizador, apoiado pela Sodexo Live!, multinacional dedicada à alimentação em grandes eventos, montou um pequeno grupo de mestres-cucas que durante mais de dois anos quebrou a cabeça para elaborar um menu refinado, chique mesmo, ao avesso da falta de sal dos grandes refeitórios do passado, com pinta de cantina escolar ou rancho militar. São mais de 500 receitas e pelo menos quarenta cardápios diários ofertados a 15 000 competidores, treinadores etc. que estarão vivendo nos prédios da Vila Olímpica, em Saint-­Denis, região metropolitana da capital, pertinho do Stade de France. Haverá um refeitório principal (3 500 lugares sentados) e uma praça de alimentação caprichada — não como as dos shoppings, mas desenhada para impressionar e bater no paladar.

O menu foi montado em quatro grandes divisões temáticas, com um quê de geografia: França (brandade de bacalhau), Ásia (carne de porco moída com manjericão tailandês e arroz basmati), África/Caribe (o chakchouka, pimentão frito com cebola, tomate e pimenta) e culinária mundial (pescada com tapioca e redução de suco de vegetais). No time de especialistas há nomes de respeito. O chef Alexandre Mazzia, dono de três estrelas no Guia Michelin com o restaurante AM, de Marselha, teve o cuidado de misturar ao bom gosto as necessidades energéticas dos campeões. Ouvi-­lo relatar a VEJA o que levará à mesa olímpica é de salivar: “Inspirei-me nos pratos marselheses, de onde venho, especialmente no grão-de-bico com ervilhas, beterraba e leite de peixe defumado, de intensas qualidades nutricionais”.

BOM PARA A ALMA E O CORPO - O dahl de lentilhas verdes cozidas com iogurte à base de coentro de Charles Guilloy (abaixo), o chefão do refeitório: zelo nutritivo
BOM PARA A ALMA E O CORPO - O dahl de lentilhas verdes cozidas com iogurte à base de coentro de Charles Guilloy (abaixo), o chefão do refeitório: zelo nutritivo (Sodexo/Divulgação/Thomas Samson/AFP)

Não poderia faltar uma padaria, na qual, diariamente, será possível inclusive pôr a mão na massa, em baguetes e brioches. “Para mim, quando se trata de Paris, o croissant é uma das primeiras coisas que quero degustar”, diz a chef Amandine Chaignot, afeita, ressalve-se, a pratos vegetarianos. “Faremos um croissant com alcachofra e trufa, de fácil confecção e divertido de comer enquanto se caminha.” Como manda o figurino dos novos tempos, de adequado zelo pelo ambiente, de atenção com as pegadas de carbono, 80% dos ingredientes terão origem francesa, de terroirs próximos a Paris, transportados por trem ou, eventualmente, carro e caminhão. Cerca de 30% dos alimentos levarão o selo orgânico. É preocupação que se estenderá também ao público, nas instalações da cidade. “Queríamos prioridade nas opções vegetarianas”, diz Philipp Würz, responsável pelos alimentos e bebidas do comitê organizador dos Jogos de 2024. “Das receitas para os torcedores, 60% serão verdes.” Em pelo menos um lugar, a Place de La Concorde (palco das provas “jovens”, de basquete 3 x 3, skate, BMX freestyle e breaking), 100% dos comes e bebes serão vegetarianos.

Não demorou, é claro, para brotar cizânia. O Instituto de Promoção da Carne Argentina chiou, exagerando no tom das tintas, porque não se trata de eliminar totalmente as proteínas, especialmente para quem vai competir. “Os atletas de alto rendimento precisam de ferro e aminoácidos que promovam a manutenção e reparação dos tecidos”, diz Jorge Tartaglione, presidente da Fundação Cardiológica Argentina. “O fornecimento correto de energia e nutrientes é essencial para evitar lesões e melhorar o desempenho. A carne bovina, além de ser fonte de proteínas de alto valor biológico, também provê vitaminas do grupo B, ferro, zinco e selênio, cujas necessidades são aumentadas durante a atividade física.” Os chefs oficialmente convocados asseguram ter pensando também nesse aspecto da competição, o da nutrição correta, por exigência do Comitê Olímpico Internacional (COI).

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E foram além, dado o eterno caldo de cultura da festa esportiva. “Estamos levando em conta as intolerâncias, as alergias, mas também as culinárias étnicas e culturais. Haverá alimentos sem glúten, sem lactose, halal e kosher”, diz o chef Charles Guilloy, o chefão da equipe olímpica atrás do fogão, orgulhoso de seu dahl de lentilhas verdes cozidas com iogurte à base de coentro, invenção comprovadamente boa para recuperação muscular. “Nós nos adaptamos às necessidades dos atletas”, resume Mazzia. “Mas por que deveríamos esquecer a reputação gastronômica da França?” Ele tem razão. Paris não seria Paris sem que a chamada família olímpica e os turistas deixassem a cidade, em meados de agosto, com uma frase de Jean-­Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826), advogado, político e cozinheiro francês: “A sorte das nações depende do modo como se alimentam”.

Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893

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