Conhecida pelos vinhos encorpados, região de Rioja se reinventa
Mais leves, eles mudaram para crescer
Por muito tempo, vinhos encorpados, com taninos mais robustos, maior teor alcoólico e, de preferência, longas passagens por barricas de madeira eram sinônimo de rótulos de qualidade. Outros, mais leves, eram menos cobiçados. A explicação para esse fenômeno está, em boa medida, na influência do crítico americano Robert Parker, hoje com 77 anos. O advogado que se transformou na maior referência em julgar a qualidade dos vinhos e projetar seu potencial de guarda era conhecido por dar notas altas para o perfil mais bojudo.
Preocupadas em receber boas pontuações, as vinícolas do mundo passaram a trabalhar com esse ideal em mente, priorizando o uso das barricas e a elaboração de uma bebida mais potente. Há, agora, um fascinante movimento contrário em curso. Os vinhos estão ficando mais leves, mais frescos e, portanto, com maior acidez. Existe menor necessidade de deixá-los guardados por anos em adegas e eles já chegam ao mercado prontos para ser abertos imediatamente. A mudança é tão notável que até regiões tradicionais, conhecidas pelo uso extensivo dos tonéis, como Rioja, na Espanha, estão de olho na tendência.
O exemplo espanhol é emblemático. A região, localizada no norte do país, ao redor do Rio Ebro, tem o maior parque de pipas de carvalho do mundo. São mais de 1,3 bilhão de unidades. Os vinhos são divididos de acordo com o período que passam nos barris. No caso dos tintos, acima dos genéricos, aqueles identificados como Crianza devem ter envelhecido durante dois anos, sendo doze meses em madeira. Entre os Reserva, são 36 meses, doze deles em barricas. No topo da pirâmide, os chamados Gran Reserva demoram cinco anos para chegar ao mercado, sendo no mínimo 24 meses em barris e outros 24 em garrafa. Desde 2017, no entanto, há outro sistema de classificação, que privilegia também a origem, com aqueles provenientes de um único vinhedo no topo do ranking.
Apesar das regras mais rígidas, há espaço para inovação, e é ela que alimenta a nova onda. Diego Magaña, referência da atual geração de enólogos, fez fama com seus vinhos elegantes, feitos na região de Bierzo, comparada à Borgonha, na França. Nos últimos anos, dedica-se também à marca Anza, seu projeto pessoal em Rioja. Lá, elabora vinhos mais delicados, de grande longevidade, e usa barricas usadas, que aportam menos aromas e sabores. Mesmo as vinícolas mais antigas olham para o futuro, embora tenham aprendido que já não basta vender apenas tradição. “Não queremos ser só mais uma”, afirma Juan Muga, responsável por cuidar das operações da Bodegas Muga. Mas seus vinhos, especialmente aqueles no topo da gama, têm um cuidado especial. É o caso de Prado Enea (leia mais no quadro), proveniente de vinhedos com mais de sessenta anos, e de Torre Muga. “Era um vinho muito ‘parkerizado’”, diz, brincando com o estilo imposto por Parker, “mas que hoje combina potência e elegância, mantendo a acidez, algo decisivo”. Os críticos e o público parecem ter aprovado as mudanças.
A transformação chegou também aos brancos, que por muito tempo ocuparam posição secundária em Rioja. Elaborados principalmente com a variedade local viúra, em geral também passam por barricas, embora por menos tempo, e tendem a ser estruturados e complexos. A virada: hoje os enólogos buscam a enorme diversidade de castas locais, como tempranillo blanco, verdejo e garnacha blanca, entre outras. A procura é tão grande que, em alguns casos, faltam garrafas para dar conta da demanda. O rótulo branco da Viña Tondonia, uma das marcas das Bodegas López de Heredia, chega em quantidades minúsculas ao Brasil e é disputadíssimo. Outros chegam em maior quantidade, mas a preços elevados, um reflexo da elaboração meticulosa e das altas notas recebidas pela crítica especializada. Para além da tradição, há muito o que descobrir entre os bons vinhos de Rioja, que mudaram, estão mais leves, para crescer.
Publicado em VEJA de 22 de novembro de 2024, edição nº 2920