A história por trás do mítico champanhe Veuve Clicquot, que faz 250 anos
Reverenciada, a bebida dourada deve seu sucesso a uma mulher que estava fadada ao fracasso
Tinha tudo para dar errado. E deu, ao menos nos primeiros catorze anos em que Barbe-Nicole Ponsardin (1777-1866), hoje mundialmente conhecida como madame Clicquot ou viúva Clicquot, se meteu a fazer vinho na região de Champagne, na França, no início do século XIX. Mas uma formidável combinação de persistência com inteligência, clima e terroir adequado tornou uma jovem inexperiente à frente de um negócio falido, que havia sido fundado pelo sogro em 1772, sinônimo de um dos champanhes mais reverenciados do planeta — e longevos, apesar dos tombos iniciais. Em 2022, a Maison Veuve Clicquot completa 250 anos demonstrando que muito champanhe ainda há de rolar de suas famosas crayères, poços de calcário abertos debaixo da sede da empresa, em Reims, a principal cidade da região que dá nome à mítica bebida francesa. Lá ficam guardados 35 milhões de garrafas do líquido dourado.
Uma extensa programação foi preparada para festejar o aniversário da casa. Houve o lançamento do La Grande Dame, só produzido em ano excepcional de colheita, em colaboração com a artista japonesa Yayoi Kusama. Nos próximos meses, serão colocadas no mercado releituras sustentáveis de embalagens icônicas, como a Ice Box, de 2000. Inspirada no origami, ela se abre formando um balde de gelo.
Dois séculos e meio de vida é um marco a ser comemorado. Mas, no caso da Veuve Cliquot, há um sabor especial considerando-se que a empresa é um dos sucessos mais improváveis na história dos negócios. Barbe-Nicole era filha de Nicolas Ponsardin, empresário da área têxtil de Reims, e estava pouco habituada ao universo dos vinhos. A virada aconteceu quando ela se casou, por arranjo, com François Clicquot, filho de Philippe Clicquot. As famílias eram vizinhas, mas rivais no negócio. Para selar uma aliança e consolidar o mercado de tecidos na mão dos dois, Nicolas e Philippe decidiram unir os filhos. Assim, em 1798, aos 21 anos, Barbe-Nicole adicionou Clicquot ao sobrenome e, junto com François, foi cuidar do pequeno comércio da família do marido, contra a vontade do sogro, que não via futuro na atividade.
O temor era justificado. Nenhum dos jovens sabia o necessário para a empreitada. Tanto é que, seis anos depois, o casal estava quebrado. Para piorar, François morreu de febre tifoide — alguns sugeriram ter sido suicídio diante da falência iminente. Então chamada de viúva Clicquot, a jovem prometeu ao sogro que recuperaria a empresa. Ele assentiu, com a condição de que ela aprendesse mais. E assim foi, por quatro anos. Mas o negócio continuava mal. A viúva insistiu e o sogro mais uma vez cedeu. Foi quando a sorte virou.
A Europa assistia ao fim das Guerras Napoleônicas (1803-1815) e madame Clicquot sabia que os russos estariam sedentos por novas bebidas depois que derrotassem Napoleão, o que aconteceu em 1812. Para driblar os bloqueios, ela enviou suas garrafas a Amsterdã, à espera da vitória russa que se desenhava. Assim que a guerra acabou, seu champanhe foi o primeiro a chegar ao czar Alexandre I. Embevecido, o líder russo disse que, dali em diante, o Veuve Clicquot seria o único que beberia. Nunca mais a falência rondaria os vinhedos da casa. Hoje, o Veuve Clicquot é o segundo champanhe mais vendido no mundo. O primeiro é o Moët & Chandon. Há, portanto, espaço para crescimento das borbulhas, inclusive no Brasil. “Menos de 3% do mercado é composto de espumantes e champanhes”, diz Catherine Petit, diretora da seção Brasil da Moët Hennessy, dona das duas marcas. As taças, portanto, estão postas.
Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806