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“A cozinha é minha casa”, diz melhor chef francês na lista dos 50 Best

Bruno Verjus, 65, conta as reviravoltas que deu até chegar à posição

Por Monica Weinberg, de Paris
27 jul 2024, 08h00

Tive várias existências. Primeiro me formei médico, que era a vontade de meus pais, mas nunca exerci, e logo emendei numa escola de negócios. Nos anos 1980, sentia que a China estaria no topo e ali vivi duas décadas investindo em itens hospitalares, quando veio outra reviravolta. Fui comandar um programa de rádio, no qual conversava com escritores, diretores de cinema e gente aficionada de gastronomia. Isso me deu um daqueles estalos que fazem uma pessoa, de repente, mudar o curso da vida. Já gostava de cozinhar e queria conhecer tudo sobre comida, entender carnes e legumes no detalhe, como uma ciência. Aos 54 anos e sem nenhum carimbo de uma dessas prestigiadas escolas francesas de culinária, decidi abrir, em 2013, o Table, meu restaurante em Paris. Se havia clientes no início? Um, dois, e olhe lá. Mas aqui estou, como o francês número 1 entre os melhores chefs do planeta na lista The World’s 50 Best Restaurants, o prêmio da revista britânica Restaurant.

A lista na qual desponto em terceiro do mundo é encabeçada pelos espanhóis. Percebo na gastronomia deles talento e algo que falta aos chefs franceses: um espírito de coletividade. Os cozinheiros de lá estão sempre trocando ideias e promovendo uns aos outros, enquanto nós jogamos sozinhos, num esquema de cada um por si que reflete o individualismo da própria sociedade. Vale para o futebol. Não é à toa que a Espanha ganhou a Eurocopa e a França, o time de um homem só, Mbappé, levou a pior. Honestamente, não vejo vibração nas panelas dos restaurantes estrelados que a multidão que vem para a Olimpíada vai encontrar por aqui. É preciso prestar atenção. Tem muito black-tie e refeições de três horas em que o pobre cliente vira quase um prisioneiro. Ainda fazem comida processada, que não é preparada na hora e se repete por meses no menu. A verdade é que essa turma, cheia de gente genial, ainda está agarrada ao século XX, atada a um conservadorismo com o qual eu procuro romper.

Todo dia mudo o cardápio, não raro duas vezes. O cozinheiro é como um pintor. Você tem a técnica, o conhecimento, e a partir daí o que aflora é uma síntese do que sente e do que é. Há uma glamourização desse universo, mas no fundo é bem simples. Não é como mandar foguetes para Marte. Para ser um bom chef, o segredo está em comer bem, tendo no paladar um poder. Provo tudo na minha cozinha, 100% das bases e molhos, e gosto dela informal, aberta para quem quiser ver. Quando ganhei a primeira de minhas duas estrelas Michelin, a procura logo aumentou, mas não queriam ficar num balcão nem se sentar em cadeiras de madeira. Cheguei a mandar clientes embora, de tanto que reclamavam. Mas aos poucos foram assimilando, o que me faz pensar que ajudei a quebrar a sisudez, num movimento que segue com jovens chefs que lideram uma mudança de ares. Outro dia, falei para o Alain Ducasse (dono de 21 estrelas Michelin), que tanto admiro: “Você precisa se renovar”. A comida dele ficou chata.

A gastronomia é movida por ondas. E a mais recente delas está nos menus exclusivamente vegetarianos, como no ótimo Eleven Madison, de Nova York. Eu não entro nessa. Vegetais são importantes, mas contam só uma parte da história. Minha filosofia é estar com a mente aberta para oferecer tudo que há de bom, sem deixar de fora sabores que valem a pena. Essa moda, como tantas, tem um componente de marketing. Observo ao meu redor chefs que se tornaram rock stars e se movem pelo objetivo de manter suas estrelas. Isso não me inspira. Cozinhar, para mim, sempre teve a ver com o joie de vivre, um jeito de existir em que a alegria é partilhada à mesa, entre amigos. Quando vejo as pessoas esquecendo o celular e o relógio para apreciar minha comida, num mundo de tempo tão escasso, não tenho dúvida: ter feito uma virada tão radical aos 50, quando diziam que eu já era velho, foi a decisão certa. Agora, sim, me sinto em casa.

Bruno Verjus em depoimento a Monica Weinberg, de Paris

Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903

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