Há um ano, morria Pelé: Rei do futebol, gênio da bola, artilheiro sem igual, jogador de outro mundo e um número infindável de epítetos edificantes — todos corretos e precisos. Edson Arantes do Nascimento tinha 82 anos quando deixou uma legião de fãs pelo mundo, encantados com seu legado de gols e jogadas fenomenais, boa parte deles registrados em vídeos que podem facilmente ser encontrados na internet. Era praticamente uma unanimidade, em uma vida marcada, como todos, por bons e maus momentos.
Mesmo quando foi criticado por não se posicionar politicamente durante a ditadura, depois teve uma atuação surpreendente como ministro dos Esportes e criticou a corrupção dentro e fora do esporte. Ao mesmo tempo que foi questionado por não ter sido tão assertivo na luta contra o racismo, recepcionou os membros da Marcha Contra o Racismo e pediu por votos em políticos negros. Do alto de sua majestade, teve humildade o suficiente para se reposicionar e se colocar quando necessário.
Apesar de tudo e justamente por isso tudo, continua vivo nos corações e mentes de quem tem alguma relação com o futebol, seja de amor, indiferença ou ódio. Porque, bem, estamos falando de Pelé, único tricampeão do mundo pela seleção brasileira, em 1958, em 1962 e em 1970. E um goleador que não encontrou paralelo, embora sua contagem exata de gols seja motivo de debate: a maioria das fontes concorda que ele marcou entre 1.281 e 1.283 gols ao longo de 21 anos de sua carreira profissional. Isso inclui gols em jogos oficiais, amistosos e até jogos de exibição.
Nascido em família pobre, na cidade de Três Corações, em Minas Gerais, Pelé inspirou-se em seu pai, Dondinho, para jogar bola. Já em Bauru, no interior de São Paulo, o pequeno Edson começou carreira em clubes amadores locais. Mais tarde, ao completar 15 anos, foi levado ao litoral sul para fazer um teste no Santos — e passou. Foi contratado em junho de 1956 e começou a defender a equipe da Vila Belmiro, onde passaria a maior parte de sua vida profissional.
No Santos, Pelé desandou a marcar gols, o que lhe garantiu a primeira convocação para a seleção brasileira, em 1957, para participar da Copa Roca, competição na qual fez seu primeiro tento com o manto canarinho e iniciou uma caminhada de conquistas. Foi pelo Peixe que ele marcou a maior parte dos seus tentos, em mais de 1300 partidas. E um destes teve gosto especial, o de número mil, alcançado no dia 19 de novembro de 1969, na vitória de 2 a 1 sobre o Vasco, no estádio do Maracanã. Tinha apenas 29 anos ao chegar nesta marca, o que torna seu apelo para que o país não esquecesse dos pobres ainda mais importante em meio a todo aquele circo midiático.
Foi com o time da Vila Belmiro que conquistou títulos inéditos no contexto intercontinental e mundial. Foi campeão da Libertadores duas vezes e, depois, mundial em igual quantidade — em 1962 e 1963. Com isso, colocou o clube e o futebol brasileiro no mapa mundi. Ele ainda esticaria sua carreira jogando, nos Estados Unidos, para o New York Cosmos, entre 1975 e 1977. A ideia era ajudar a popularizar o futebol entre os americanos. Sua presença, ao lado de outros nomes de peso como o italiano Giorgio Chinaglia e o alemão Franz Beckenbauer, grandes multidões e a atenção da mídia.
O que pensaria Pelé?
Em entrevista à Agência France Presse (AFP), o ex-goleiro Edinho, filho de Pelé, comentou que seu pai estaria muito triste e preocupado vendo os atuais momentos da seleção brasileira e do Santos. Em campo, o Brasil teve um 2023 bem abaixo das expectativas, ocupando uma singela sexta posição, com apenas sete pontos em seis rodadas nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2026. Já o Peixe foi rebaixado à segunda divisão do Campeonato Brasileiro pela primeira vez em seus 111 anos de história. Além disso, o time alvinegro está assolado por problemas financeiros e divergências na diretoria.
“Com certeza o nosso ‘rei’ estaria muito preocupado”, disse o ex-goleiro de Santos e Ponte Preta à agência AFP. “Essa crise não aconteceu de um dia para o outro, há problemas grandes e complexos. Estamos em declínio, ainda temos bons jogadores, mas no passado tínhamos mais atletas de alto nível em comparação com hoje. Não tenho dúvida, se o papai estivesse conosco, ele teria ficado bem triste.”
Foi Pelé o verdadeiro fenômeno? Ele sempre permaneceu enquanto todos os seus outros oponentes argentinos eram descartados como grandes. Aconteceu com Di Stefano, com Maradona e agora com Messi. “Decidam-se quem é o melhor de seu lado”, brincava o Rei. “Quando vocês decidirem, a gente conversa.” A verdade é que todos foram gigantes, mas só o menino do interior de Minas Gerais grudou no inconsciente coletivo como ele próprio fazia a bola grudar em seus pés enquanto driblava os oponentes a caminho das redes.