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O drama de Poliana Okimoto: a medalha veio, o patrocínio se foi

Assim como outras estrelas brasileiras, primeira nadadora nacional a subir ao pódio olímpico enfrenta dificuldades financeiras para o ciclo de Tóquio-2020

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 20h36 - Publicado em 19 jan 2017, 12h20

Poliana Okimoto veste touca, maiô e óculos e entra na piscina às 7h30, sob o olhar atento do treinador e marido Ricardo Cintra, exatamente como fez nos 12 anos em que batalhou por uma medalha olímpica. E ela chegou, em agosto passado, feita de bronze, na maratona aquática da Olimpíada do Rio de Janeiro. Foi o primeiro pódio de uma nadadora brasileira na história dos Jogos. Cinco meses depois da glória em Copacabana, a vida da atleta paulistana de 33 anos deveria ter mudado para melhor, mas não foi o que aconteceu. Poliana perdeu seu principal apoio, o patrocínio dos Correios, e ainda não tem garantias de que disputará o Mundial da Hungria, em julho. Diversos outros medalhistas – e principalmente aqueles que não alcançaram o pódio na Rio-2016 – passam por situação semelhante ou pior. No Brasil em crise, o êxito olímpico não é devidamente valorizado.

Depois da Rio-2016, Poliana não conseguiu descansar. Disputou mais duas etapas do circuito mundial e terminou o ano como a segunda melhor do mundo na maratona aquática de 10.000 metros. Em anos anteriores, já havia conquistado quatro medalhas em Mundiais, incluindo uma de ouro, em Barcelona – o mar mais  sujo em que já nadou. Os excelentes resultados foram compartilhados com sua equipe formada por nutricionista, massoterapeuta, psicóloga, médico e treinador. Em 2017, porém, sem verba, ela dispensou mais da metade do staff. “É difícil ter tudo isso e depois ter de abrir mão de tudo, ainda mais depois de ganhar uma medalha.”

Quem olha pela primeira vez a nadadora de olhos puxados, 1,65 m e pouco mais de 50 quilos não imagina de onde vem tanta força para enfrentar o mar e nadar 10 quilômetros, por mais de duas horas, entre cotoveladas e puxões desleais das adversárias.  Certa vez, o inimigo foi ainda mais assustador: um leão-marinho, nas geladas águas da Argentina. Até chegar à conquista no Rio, Poliana batalhou muito e venceu inclusive o medo do mar. Em Londres-2012, a grande decepção: teve de abandonar a prova por causa de uma hipotermia (quando a temperatura do corpo fica abaixo do normal). Poliana, porém, encarou mais uma desgastante rotina, que inclui uma rígida dieta, e se redimiu em grande estilo no Rio.

Poliana terminou a prova no quarto lugar, mas herdou a medalha de bronze depois que a francesa Aurélie Muller foi punida por atrapalhar uma concorrente italiana na linha de chegada. “A francesa pagou por ser desleal. Uma vez ela puxou o pé da Poliana num Mundial e os árbitros não viram”, revelou Cintra. É ele quem demonstra mais mágoa com o descaso dos patrocinadores em relação à atleta. “Estão querendo aposentar a Poliana, mas não vão conseguir”. Atualmente, a atleta se mantém com o apoio que recebe de seu clube, a Universidade Santa Cecília (Unisanta), e do Exército Brasileiro e sonha com mais uma medalha na Olimpíada de Tóquio, em 2020, quando terá 37 anos. “Não desanimo porque nado por amor. Mas só amor não enche barriga, né?!”

Na entrevista abaixo, Poliana falou sobre o seu início no esporte, os desafios de encarar o mar, a fuga de patrocinadores e a emoção vivida na Rio-2016.

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Sua vida mudou para melhor depois da medalha de bronze? Não. Sempre esperamos que um medalhista olímpico passe a ter uma vida melhor, mais tranquila, mas no meu caso foi bem diferente, porque perdi patrocinadores. Não tive tempo para descansar, porque segui competindo e ainda terminei em segundo no ranking mundial, fechando o ano bem, mas mesmo assim perdi apoio. Sei que o Brasil passa por uma crise grande, mas sempre lutei por uma medalha pensando que isso me daria uma condição melhor e não tem como não ficar chateada quando isso não acontece.

Existe a expectativa de conseguir novos patrocinadores? Como tem conseguido se manter? Meu principal patrocínio, dos Correios, foi cortado por causa da crise com a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e ainda não dá para saber se será retomado.  Por sorte, o Exército e a Unisanta me ajudaram demais neste ciclo olímpico e vão manter meu contrato. Eles acreditaram muito em mim e têm todo o meu reconhecimento.

A brasileira Poliana Okimoto ganha medalha de bronze na maratona aquática - 15/08/2016
Poliana com a medalha de bronze da Rio-2016 (Ivan Pacheco/VEJA.com)

De que forma o corte do patrocínio afeta sua preparação? Fui a três Olimpíadas e para o ciclo da Rio-2016 tive uma estrutura que nunca tive na vida. Havia uma equipe multidisciplinar, com nutricionista, massoterapeuta, psicóloga, médico, e não à toa o resultado veio. Com a saída do patrocinador, eu não consigo pagar essa equipe do meu bolso. Só mantive meu preparador físico. E meu técnico, né, porque ele é meu marido (risos). Não dá para mensurar a importância desta equipe, todo o trabalho feito nos últimos quatro anos foi perfeito. A nutricionista e a psicóloga me ajudaram demais, tudo isso faz diferença. É difícil ter tudo isso e depois abrir mão, ainda mais depois de ganhar medalha.

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Casos semelhantes acontecem com atletas brasileiros, inclusive outros medalhistas, em diversos esportes. Quem é o maior culpado por isso? É o governo, na verdade. A situação do país atrapalha, porque dependemos de patrocínio. Os Correios sempre foram a base de tudo na natação e com a saída deles não tem nem como disputar campeonato. Não acho que o problema é a politicagem na CBDA, nada disso. É uma questão financeira mesmo.

Diante de tantas notícias ruins, de onde tira motivação para encarar um novo ciclo olímpico? Claro que tudo isso me chateia bastante, mas eu gosto demais do que faço. Faço por amor e é a isso que se deve a minha longevidade no esporte. Mesmo a rotina sendo cansativa, eu gosto. Só que amor não enche barriga, né? Eu tenho esperança de que, caso eu consiga um bom resultado no Mundial de Budapeste, em julho, as coisas possam melhorar.

Mas nem mesmo sua presença no Mundial está garantida diante da crise financeira na CBDA. Por falta de verba acho muito difícil eu não ir, nem que o COB tenha de interceder. E, olha, até se eu tiver que pagar do meu bolso eu vou, não vou perder o Mundial de jeito nenhum.

Como é a sua rotina diária? Todos os dias, acordo às 6h da manhã, vou ao clube, treino das 7h30 até 12h. Vou para casa, almoço e descanso, depois volto para o clube às 16h e fico até às 19h. Volto para casa, janto e durmo às 21h30. Quanto à alimentação, sempre gostei muito de massa, pão, bolo, mas adquiri intolerância a glúten e tive de parar com tudo isso desde 2013. Então como tudo sem glúten, é uma dieta bem rígida.

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Treinar na piscina não é ruim para quem compete no mar? Não treino quase nunca no mar. No começo, quando eu morava em Santos, até treinava uma vez por semana. Como era meu início, sentia muita diferença. Mas hoje não preciso mais, treino só na piscina mesmo em São Paulo.

O mar é, muitas vezes, um ambiente hostil. O que viu de mais inusitado durante uma prova? O mais assustador foi leão-marinho, na Argentina, justamente onde farei minha próxima prova. Eu e as outras meninas começamos a gritar desesperadas e pensamos que parariam a prova, mas os juízes estavam no barco tirando fotos e se divertindo com isso (risos). Completei a prova, mas foi assustador. Tubarão nunca encontrei, mas tem muita água viva. No começo tinha muito medo, mas hoje me acostumei.

A nadadora Poliana Okimoto

Quando surgiu a ideia de se aventurar no mar? Na verdade eu não quis, foi o Ricardo, em 2005. Eu disse que não queria, porque tinha medo. Ele conseguiu, com um amigo nosso, bancar uma viagem e me convenceu que, pelos meus tempos, eu conseguiria nadar bem. Na primeiro treino, dei três braçadas e comecei a chorar. Mas no dia da prova tinha 4.000 participantes e eu fiquei com vergonha de desistir na frente de tanta gente (risos). A adrenalina me deu coragem,  nadei e ganhei, batendo recorde da prova. E quando foi anunciado que a maratona seria um esporte olímpico, realmente abracei a modalidade, comecei a ganhar medalhas.

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Nadar 10 km no mar não é fácil… Olha, acho que se eu correr 10 km eu canso mais, porque já acostumei a nadar. Mas cansa muito também, não dá para fazer nada depois da prova. É comer e olhe lá, porque nem isso eu tenho muita vontade. Quando a prova é de manhã e em outro país eu faço um grande esforço para passear e conhecer o lugar, mas normalmente fico exausta.

Aquelas duas horas e pouco de prova passam rápido? Muito rápido, parecem 15 minutos. Por causa da concentração, é preciso ler a prova, analisar as adversárias, se proteger. Não dá para ficar pensando na vida. Tem gente que me pergunta se eu fico cantando durante a prova (risos), mas não dá para pensar em nada.

Já se lesionou gravemente em uma prova por causa da truculência das adversárias? Várias vezes,  já tive até tímpano perfurado, numa cotovelada logo na largada, na minha primeira prova de Mundial. Mesmo assim fui guerreira e completei a prova. Hoje eu sou mais experiente, mantenho distância das outras competidoras na largada, não me desgasto com isso no começo, quando as meninas ficam todas se batendo. Geralmente faço uma prova progressiva, vou acelerando mais para a segunda metade. É perigoso, porque muita gente corta o supercílio, perde óculos, rasga maiô, e isso pode até te tirar da prova. É preciso ter cuidado.

Em 2012, uma hipotermia lhe impediu de disputar a Olimpíada de Londres. Qual é a temperatura ideal para competir?  Treino na piscina a 28° Celsius. Na hora da prova, o ideal para mim é 22° ou 23°, exatamente como estava na Olimpíada do Rio. Em Londres, estava 15°. Também tive hipotermia outra vez, num Pan-Pacífico, quando estava 14°.

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Em casos assim, o mais prudente não seria adiar a prova? É cruel ter de competir assim, mas é praticamente impossível cancelarem uma prova olímpica, porque infelizmente os atletas são os últimos a serem ouvidos. Tem muita politicagem, os patrocinadores, as pessoas que compraram ingresso e têm passagem marcada, a grade da televisão… O único que importa para a organização é que três atletas consigam completar a prova.

Antes da Rio-2016, havia grande temor em relação à poluição das águas olímpicas. Como estava o mar de Forte de Copacabana?  Estava muito bom, muito tranquilo, nem sei como conseguiram, porque meses antes treinei lá e até tive de tomar vermífugo porque a coisa estava feia. Mas o pior que já passei foi em Barcelona, no Mundial de 2013. Fui treinar um dia antes, com um cheiro muito forte de esgoto. Nadei uns 2 km e à noite vomitei muito e tive diarreia. Tinha acabado de perder a Olimpíada de 2012 e treinei demais para aquele Mundial. Pensava que se não fosse bem ali teria de parar de nadar, porque ninguém mais apostaria em mim. Mesmo mal, competi, fui vice-campeã mundial nos 5 km e campeã mundial nos 10 km.

Acredita que sua idade (terá 37 anos em Tóquio -2020) reduz suas chances de medalha? Não. O grego Spiros Giannotis, por exemplo, chegou em segundo na Rio-2016 e tem 36 anos. Acho que não tem nada a ver, mas com certeza isso influencia os patrocinadores que pensam mil vezes antes de me apoiar. Eu sempre preciso estar provando que estou bem e isso é uma das coisas que me desgastam, porque tenho de entrar em todas as provas para ganhar.

Como é sua relação com a Ana Marcela Cunha, outra brasileira campeã mundial da maratona? É boa, a gente se dá bem fora d’água. Dentro é claro que uma quer ganhar da outra, a competição é normal. Mas já são quase dez anos juntas na seleção, a equipe é pequena, então acabamos pegando amizade com todos.

E como foi a sensação de subir ao pódio em casa? É indescritível, porque foi minha terceira Olimpíada e nas outras duas eu também tinha chances. E quando se concretiza um sonho de pelo menos 12 anos treinando é muito emocionante. Parece clichê, mas é verdade, passa todo um filme dessa trajetória na hora. Pensei em todas as coisas das quais abri mão, nas pessoas que me ajudaram. Foi uma medalha muito mais gostosa por ter sido em casa. Na hora da prova não escuto a torcida, mas na hora do pódio foi bonito demais. E quero mais em Tóquio, tem bastante espaço na minha estante de medalhas.

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