O ano era 2010 quando o americano Chael Sonnen desafiou Anderson Silva pelo cinturão do peso médio do UFC, maior campeonato de MMA do mundo. Na época, Spider, como o brasileiro é conhecido, já era campeão da categoria, estava invicto no UFC e era reconhecido como um dos melhores lutadores do mundo – ou seja, era o favorito. Isso não impediu Sonnen de provocar o adversário com o famigerado “trash talk”, o que aumentou as tensões pré-luta. No octógono, o americano surpreendeu e foi superior nos quatro primeiros rounds. Mas no quinto round, Silva conseguiu aplicar um golpe certeiro e finalizar o adversário. Nascia ali uma rivalidade histórica entre os dois grandes atletas. Spider contou em entrevista a VEJA que foi justamente por isso que escolheu Sonnen para compartilhar o ringue, agora lutando boxe, em sua última – última mesmo, ele garantiu – luta em solo brasileiro, evento que inaugura a plataforma Spaten Fight Night neste sábado, 15, às 22h. Na conversa, ele contou do orgulho que tem dos filhos Gabriel e Kalyl por seguirem os seus passos na luta, fez um balanço de seu legado para as artes marciais no Brasil e criticou a falta de incentivo ao esporte no país.
O senhor tem 49 anos. Essa despedida no Brasil indica que está pensando em se aposentar?
De forma alguma. Para mim, esta é mais uma luta, mas queria presentear os fãs brasileiros. Meu último combate aqui foi em maio de 2019, quando enfrentei o americano Jared Cannonier, no Rio de Janeiro. Já fazia tempo que não vinha para casa.
A escolha do oponente foi bastante intencional, não é?
Temos uma história. A primeira luta contra ele no UFC era para ter sido no Brasil, mas não deu certo. A segunda, em 2012, também acabou sendo em Las Vegas. Foi quando ele levou um nocaute a menos de dois minutos do segundo round. Na época provoquei, chamei ele para comer um churrasco no Brasil. Mas hoje somos amigos. E uma trilogia é merecida.
Está sentindo pressão para vencer pela terceira vez?
Para mim é mais um dia. Pura rotina. Treinei exatamente como venho treinando ao longo da vida. Eu acho que qualquer atleta de alto nível consegue fazer isso pela experiência de lutar em vários países, de disputar títulos, de ter vencido, de ter perdido. Encaramos isso como mais um dia de trabalho, entende? E comigo não poderia ser diferente.
Se naturalizou americano naquele ano, 2019, mas mora em Los Angeles desde 2009. Foi mais fácil fazer carreira nos Estados Unidos do que aqui?
Cada país tem a sua colaboração e dedicação aos esportes. O Brasil tem grandes expoentes, inclusive nos esportes de combate. Temos uma tradição nisso. No boxe, temos uma história incrível, com grandes atletas que fizeram nome no mundo todo. Mas é preciso mais. Nosso país tem muitos talentos, não só no combate, mas no esporte em geral. É uma questão de dar muito mais oportunidades e visibilidade para que essas pessoas se tornem bem-sucedidas.
Sente saudades do Brasil?
Sinto, muito. Sempre que dá eu venho para cá. A coisa que eu mais sinto falta é a comida. Um bom arroz e feijão é difícil de encontrar nos em Los Angeles.
Faltam outros ídolos como você para que o brasileiro se interesse mais por esportes de combate?
Não é falta de ídolos, é falta de atenção ao esporte em geral. Nosso país que precisa ter um olhar mais carinhoso para os atletas.
Sente que em relação às lutas, mais especificamente MMA, existe preconceito por ser considerado um esporte violento?
Não é porque é um esporte de combate que é violento. O MMA já se estabilizou no Brasil e no mundo. É preciso entender que a prática de artes marciais transcende os tatames. O esporte te dá disciplina, te tira das drogas, te traz oportunidades, ajuda as crianças e jovens a andarem na linha e serem mais ligadas à saúde. Eu sou prova viva disso. Como qualquer segmento da vida profissional e pessoal, para lutar você precisa ter amor, além de capacidade de autocompreensão e aprender com seus erros todos os dias.
Como um atleta preto, como você navegou o racismo isso ao longo da sua carreira?
Sinto que o esporte de combate coloca todo mundo no mesmo patamar, pelo menos dentro do tatame. Ou você se destaca pelo seu talento, ou você não se destaca. Ou você realmente é bom no que você faz, ou você não é bom. Posso dizer que nunca vivi racismo em um ringue de boxe ou um octógono.
Um dos seus filhos, o Kalyl, vai participar do mesmo evento da sua despedida aqui no Brasil. Incentivou os seus filhos a lutar? O João não seguiu por esse caminho…
Foi algo que partiu deles. Cada um tem o seu momento, e acho que esse é o momento deles. Como pai, fico feliz de eles estarem seguindo os meus passos e fazerem assim como eu fiz e faço. Fazerem o que eles gostam, o que eles amam. E descobrir com o tempo se amam de verdade ou não. Mas fico muito feliz de poder dividir o espaço com eles. Somos uma família muito unida. Temos nossos arranca-rabos como qualquer outra, mas somos unha e carne.
Sua esposa ou filhos já ficaram preocupados com a sua integridade física a ponto de pedirem para encerrar a carreira?
Todo lutador que tem uma família vai ouvir algo do tipo, porque é um esporte de combate. Então, não tem jeito. Fica todo mundo preocupado. Já tivemos algumas conversas sobre minha aposentadoria. Minha esposa, Dayane, me pergunta: “Pô, e aí? Não está na hora de parar?”. Mas ela sabe que eu amo fazer isso. Então, nunca me pediria para parar.
É ano de Olimpíadas, em Paris. Sente que não ter participado dos Jogos como parte da delegação brasileira é uma espécie de sonho não realizado?
Tentei competir no Rio 2016, mas era só um momento. Fui praticante de taekwondo durante muitos anos e sentia que eu podia ajudar de alguma maneira a comunidade da luta a ter mais olhares para essa modalidade no Brasil. Mas acabou que não aconteceu e não tenho frustração nenhuma. Sou muito muito bem resolvido em relação a isso. Era mais uma questão de poder trazer visibilidade para um esporte que me destacou e que me ajudou a me tornar também quem eu sou.
Acha que o Brasil vai voltar a ter um líder mundial de MMA depois de você?
Eu espero que sim. E a minha esperança é que meu legado, de alguma forma, permita que isso aconteça.