Justiça reconhece patente do spray de barreira criado por brasileiro
Decisão foi proferida pelo juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro
A justiça brasileira julgou improcedente um pedido de anulação da patente do spray de marcação de barreira em gramados de futebol, invenção do brasileiro Heine Allmagne. A ação havia sido movida pela Fifa, entidade que controla o esporte profissional no mundo. A decisão foi proferida nesta quinta, 21, pelo juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro.
Na sentença, o magistrado registra que, ao contrário do que a sustentava a Fifa, o spray cumpriu todos os requisitos previstos na Lei de Propriedade Industrial. A decisão também levou em consideração as conclusões de uma perícia técnica que havia reconhecido o ineditismo da invenção.
“Analisando todo o conjunto probatório, verifica-se que restou comprovado o atendimento aos requisitos de patenteabilidade do registro da patente de modelo de utilidade PI0004962-0, devendo ser julgada improcedente a pretensão autoral”, escreveu Brito Fernandes, que também condenou a Fifa a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) havia concedido e confirmado a patente no Brasil, mas passou a favorecer a Fifa, parte acusadora, ao longo do processo. Na perícia, ficou evidente que o órgão baseou a mudança de posição em normas que não existiam no período da análise e, mesmo que fossem aplicáveis, manteriam válida a patente. “Não acatarei a mudança de conclusão do Inpi, prestigiando o bem elaborado laudo pericial”, disse o magistrado.
Em 2021, a Fifa já havia sido condenada pela justiça brasileira por má-fé nas negociações. Neste novo processo, a Fifa tentava anular a patente. “Foi a primeira decisão que analisou a fundo o mérito da discussão e refutou todos os argumentos da FIFA, reconhecendo, com base numa perícia técnica, que a espuma usada nos campo de futebol foi uma criação única e que sua patente é válida em termos técnicos e jurídicos”, explica a advogada Larissa Teixeira Quattrini, que representa o inventor brasileiro.
Allemagne celebra a decisão. “Considero essa vitória também do Brasil. É o reconhecimento não só jurídico, mas também moral, de um direito legítimo que tentou ser anulado por uma das entidades mais poderosas do mundo”.
O caso
Em 2002, o spray para delimitar a distância de 9,15 metros entre a barreira e a bola passou a ser usado de forma obrigatória em competições oficiais no Brasil. Somente em 2009, mesmo ano em que o dispositivo passou a ser usado em partidas da Copa Libertadores da América, a Fifa se dispôs a avaliar seu uso em partidas oficiais. Em 2012, a entidade se interessou em comprar os direitos da patente da Spuni, empresa de Allmagne. A partir de então, passou a impedir qualquer negociação de venda com qualquer outra empresa. Sob o argumento de serem necessários mais testes, postergava a formalização de qualquer proposta.
A oferta só veio no início de 2014, quando o spray já estava aprovado para uso na Copa do Mundo no Brasil. Por e-mail, o então diretor de marketing da Fifa, Thierry Weill, ofereceu 500 mil dólares para comprar a patente. O valor sequer cobria os custos de renovação das patentes nos 44 países ao longo de 14 anos. Mesmo após seus árbitros receberem treinamento e unidades do spray para uso na Copa de 2014, a Fifa ocultou a marca da Spuni na competição realizada no mesmo solo onde o dispositivo foi concebido.
Ao inventor, entretanto, o então diretor de finanças da Fifa, o argentino Julio Grondona, sinalizava que a patente valia pelo menos 40 milhões de dólares. A oferta jamais foi concretizada e, depois da morte de Grondona em 2014, a FIFA passou a negar a compra.
Para Allemagne ficou claro o drible que a entidade tentou dar: comprar a patente do spray por um valor irrisório para então revendê-la por um valor milionário. Ao oferecê-la para a mexicana PPG-Comex, Allemagne descobriu que a empresa já copiava o spray com aval dos membros da Fifa — que também convidou os fabricantes clandestinos a integrar o seu Programa de Qualidade visando legitimar os dispositivos piratas em suas competições.
Em 2021, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou a Fifa a indenizar a Spuni por verificar ofensa à boa-fé objetiva nas negociações para adquirir a patente. O valor da reparação por danos materiais pelo uso não autorizado do produto está em fase de avaliação. Além disso, a entidade foi condenada a pagar 100 mil reais por danos morais. A Fifa recorre contra esta condenação.
Naquela decisão, o desembargador Francisco de Assis Pessanha Filho apontou que a entidade “atuou em flagrante má-fé negocial, violando o nome da empresa autora e quedando-se inerte na concretização do negócio jurídico”. O magistrado lembrou que a federação adotou medidas contraditórias, ao usar reiteradamente o produto de graça, enquanto a Spuni se colocou à disposição para transferência de expertise. “Não restou oferecida uma contrapartida condizente com a natureza da tecnologia”, ressaltou.