A estreia de Guga em Roland Garros foi contra o checo Slava Dosedel, um jogador que o catarinense conhecia bem – e não apreciava muito. O europeu havia derrotado o brasileiro duas vezes naquela temporada, mas um primeiro set avassalador abriu o caminho para a vitória de Guga por 3 a 0 (com direito a um pneu no primeiro set), um início bem a caráter para dar a ele a confiança necessária para assombrar o mundo nas rodadas seguintes.
Os detalhes do jogo na voz de Larri Passos
O jogo – Quando Guga e seu pequeno estafe – na verdade, apenas o técnico Larri Passos e Rafael Kuerten, seu irmão – souberam o resultado do sorteio da chave de Roland Garros, todos franziram a testa. Mesmo sem ser um jogador brilhante, o checo Slava Dosedel era osso duro de roer e havia vencido o catarinense duas vezes naquele ano, em Indian Wells e em Monte Carlo.
Nos confrontos anteriores, Guga teve muita dificuldade para impor seu jogo diante de um tenista pouco convencional, que era especialista em usar os pontos fortes do adversário a seu favor, por estranho que pareça. Mas, naquele 26 de maio de 1997, tudo foi diferente.
Logo no primeiro set, o brasileiro mostrou que ali a história seria outra e atropelou Dosedel: 6 a 0. Até seu irmão ficou boquiaberto. “O Dosedel jogava em cima da linha de fundo e tinha uma bola bem reta, o Guga não gostava de jogar contra ele”, recorda Rafael. “Fiquei abismado quando ele meteu 6 a 0. Semanas antes, ele e o Larri tinham voltado da Europa dizendo que o Guga não estava bem, aí ele mete 6 a 0 no Dosedel! E ele não estava bem?”
Mais tarde, Larri revelou que aquele primeiro set foi fundamental para a conquista do título, um ponto de partida espetacular que deixou Guga bem mais confiante. Nos sets seguintes, Dosedel se recuperou do massacre e até endureceu a partida, mas o brasileiro soube controlar o jogo e fechá-lo em 3 a 0.
Com a palavra, o campeão
O tcheco tinha um estilo enganoso. De início, parecia que o cara não jogava nada. Vira e mexe, errava umas bolas simples. Mas aí, aos poucos, se esgueirando, na maciota, ele vinha vindo, colocava bem aqui, ia manejando ali, cortando os espaços, e aí, do nada, começava a dar umas paralelas de esquerda de cinema. Fora com essa artimanha que ele tinha me anulado nas duas vezes. Sem saber direito como contornar isso, eu estava incomodado com a ideia de virar freguês.
Já no final do primeiro set, ficou evidente que havia algo de diferente no meu jogo. Olhei para Larri, ele olhou para mim e nenhum dos dois entendia nada. Perguntei para ele: “O que está acontecendo?”. Larri apenas sorriu. Dosedel era o mais perplexo de todos. Estava escrito na cara dele: “Quem é esse cara? É impossível que seja a pessoa de quem acabei de ganhar em Monte Carlo.” Com o mesmo tênis fabuloso dos treinos iluminados, no que deve ter sido o set mais brilhante da minha vida até então, dei um espetáculo formidável. Fiz 6/0 em menos de 20 minutos. O que era aquilo? Eu tinha virado um mestre da Matrix, acessando de uma hora para outra um nível de excelência desconhecido no meu tênis?
Trecho extraído da autobiografia Guga – Um Brasileiro (Sextante)
Que fim levou? – Slava Dosedel tinha dois títulos quando enfrentou Guga em Roland Garros, nos ATPs de Santiago (em 1995) e Munique (1996). Poucos meses depois do torneio francês, ele ganhou mais um, seu último, em Amsterdã. Em Grand Slams, o melhor resultado do checo foi obtido no Aberto dos Estados Unidos de 1999, em que chegou às quartas de final. Dosedel abandonou a carreira em 2001 e depois voltou ao circuito como treinador, tendo trabalhado com o compatriota Lukas Rosol.