Ao longo de suas duas décadas como jogador, Pelé não teve problemas em driblar oponentes e fugir de ataques desleais – quando necessário, revidando na mesma medida, como bem sabiam os rivais atingidos por cotoveladas tão ocultas quanto pesadas. Entretanto, fora dos campos, o craque sofreu com uma caçada tão ou mais feroz que a violência dos adversários: a quase insaciável sanha da sociedade brasileira em criticá-lo.
Tal atitude foi explicada por Tom Jobim com precisão: “Fazer sucesso no Brasil é ofensa pessoal”. Na qualidade do brasileiro mais vitorioso de todos os tempos, portanto, o Rei de Futebol incomodou e despertou a ira de centenas, milhares, talvez milhões de compatriotas, sempre a postos para tirar uma casquinha de sua fama.
Apesar de ser a cara do Brasil que venceu na vida pelos próprios esforços, um negro que superou os obstáculos com seu talento, boa parte dos brasileiros acusava Pelé de não levar as causas raciais a fundo – logo ele que recebeu congratulações, justamente nessa questão, de ícones como Nelson Mandela e Desmond Tutu.
Foi taxado de demagogo quando, em uma atitude espontânea, dedicou seu milésimo gol às crianças do Brasil, buscando chamar a atenção para as políticas nacionais de educação – atitude que, anos mais tarde, estaria na cartilha de muitos outros ídolos do esporte e de outras áreas. O grande troféu para seus antagonistas foi o processo judicial de reconhecimento da paternidade de Sandra Regina – numa postura evidentemente ruim, inaceitável. Mas foi a senha definitiva para levar Pelé a um injusto cadafalso.
O Rei também apanhou muito por conta de suas frases invariavelmente sinceras, como se fosse obrigado a ser um gênio também na política. De fato, muitas vezes ele soltou comentários infelizes – aliás, não poderia ser diferente quando se tem um microfone ligado para registrar qualquer uma de suas manifestações, em qualquer ocasião, a qualquer hora do dia ou da noite. A excelência de Pelé como atleta fazia a sociedade cobrá-lo como um Rui Barbosa, quando o assunto era política, ou um Martin Luther King, na questão do racismo. Evidentemente, ele não o era. Como também não o eram as figuras que se arvoravam no direito de azucriná-lo – gente de estatura pessoal e profissional infinitamente inferior a ele.
O caso mais notório talvez tenha sido o de Romário. Mesmo longe de ser um exemplo de comportamento e de sabedoria, o atacante cunhou a frase “Pelé calado é um poeta”, logo transformada em mantra pelos recalcados. Pelé, enfim, não poderia ser campeão em tudo – e o permanente olhar de desdém de parte do Brasil com o a maior de suas figuras é uma injustiça histórica.