Empresário de Pelé reclama de desrespeito de marcas e cita planos futuros
Americano Joe Fraga, CEO da Sports 10, detalhou renovação recente na imagem do Rei e disse que prioridade será fortalecer sua fundação
Edson está morto, mas Pelé é eterno. A frase, repetida à exaustão por súditos do Rei do Futebol desde sua morte, em 29 de dezembro, aos 82 anos, ganha um significado especial quando sai da boca de quem efetivamente segue cuidando da imagem da lenda do Santos e da seleção brasileira. O americano Joe Fraga, CEO da empresa Sports 10 e quem desde 2017 cuida pessoalmente de todos os negócios que envolvem Pelé, diz ainda se recuperar do baque da perda do amigo, mas garante que há planos em marcha para a manutenção de seu legado.
O telefone e a caixa de e-mails de Joe não pararam nas últimas semanas e boa parte das mensagens não era de meras palavras de conforto. “Diversas marcas tentaram se aproximar nas últimas semanas, foi até um pouco desrespeitoso”, conta Fraga, especialmente incomodado com o que considerou como propagandas irregulares disfarçadas de homenagens feita por duas cervejarias que não eram parceiras do Rei. “A ação da Budweiser, que criou um troféu como o nome do Pelé, foi a coisa mais absurda e desrespeitosa que já vimos, até porque ele sempre se negou a ligar sua imagem a bebidas alcoólicas. A Brahma fez algo semelhante e provavelmente será processada. Por sorte, outras marcas parceiras fizeram lindos tributos com boas intenções.”
Joe Fraga, que fala “portunhol” e ficou bastante íntimo de Pelé, especialmente durante seus momentos de saúde mais fragilizada, garante que a marca seguirá vivíssima e ganhará novos parceiros. “Faremos anúncios com um ou dois grupos em breve, mas não é o momento agora. Não quero compará-lo a um evento, mas Pelé sempre foi para mim como uma Olimpíada ou uma Copa do Mundo, uma entidade. Ele não precisava ter dezenas de patrocinadores, sempre trabalhamos como seis a oito marcas, as melhores de suas áreas, e assim seguiremos.”
Com a experiência de ter trabalhado com o ex-presidente americano Bill Clinton, o CEO da Sports 10 diz que seu principal plano para Pelé é fortalecer o seu instituto, a Pelé Foundation, e investir em ações sociais. “Em breve estarei em Zurique com a Fifa e nossa intenção é anunciar novidades sobre a fundação em abril. Queremos estar ligados a projetos de saúde e educação das crianças e à crise de refugiados”, diz. “Também temos conversas em curso sobre documentários, séries animadas, licenciamentos de produtos, e suas redes sociais também seguirão sendo fortes, dentro de outra perspectiva, obviamente.”
Joe, que tratava diretamente com Pelé sobre decisões importantes, diz que seus seis filhos vivos, além da viúva Márcia Aoki não participarão da sequência dos trabalhos. “Não, ele nunca quis a família envolvida nos negócios. Claro, vamos sempre consultá-los sobre determinados assuntos, de forma elegante, eventualmente podemos ter projetos com a Márcia, caso ela se sinta confortável. Eu era o maior protetor de sua imagem e não pretendo deixar de ser.”
‘Rebranding’ bem-sucedido
Reportagem da revista VEJA desta semana mostrou que Pelé deixou um patrimônio estimado em 100 milhões de dólares, uma quantia excepcional, mas muito abaixo do de outras estrelas do esporte, como o líder Michael Jordan, o “Pelé do basquete” (1,7 bilhão de dólares), e Lionel Messi (600 milhões de dólares). Para Joe Fraga, o contexto da época é o principal motivo para tamanha disparidade.
“Pelé jogou em uma época em que o esporte era realmente esporte, não um negócio como se transformou a partir do fim dos anos 1970 e início dos 1980. E até mesmo o Jordan só tem estes números em razão da parceria com a Nike, que efetivamente revolucionou este ramo”, analisa Fraga. “Muitas vezes me perguntam sobre estas diferenças e eu rebato: me diga um ex-atleta na casa dos 80 anos que tenha mais dinheiro ou fama que Pelé? Não há ninguém de sua era nesta condição. Mesmo os grandes ídolos americanos desta época tinham outras profissões, eram encanadores, jardineiros, ou qualquer outra coisa. Não há como comparar.”
É fato, porém, que Pelé também deu suas caneladas no ramo empresarial. Quando era jogador, investiu em uma série de empresas que naufragaram. No auge da fama, mal assessorado, chegou a ficar no vermelho. O jogo só começou a virar com sua ida para o New York Cosmos, dos EUA, e após pendurar as chuteiras, mas mesmo assim seus ganhos ainda eram incompatíveis com o tamanho de seu mito. Nos últimos anos, no entanto, pegando carona na realização da Copa do Mundo de 2014 e Olimpíada de 2016 no Brasil, e com sua gestão centralizada por uma única empresa (primeiro a Legends 10 e depois a Sports 10), mesmo idoso e com a saúde fragilizada, Pelé faturou como nunca.
Para isso, porém, houve uma drástica mudança de estratégia. Primeiro, seus gestores reduziram o número de viagens e parcerias e se associaram apenas a marcas globais como Hublot, Emirates, Volkswagen, Subway, entre outras. Ao tomar as rédeas em 2017, Fraga partiu para uma nova abordagem. “Vi que haviam buracos claros. Por exemplo, o maior embaixador do Brasil e o maior atleta de todos os tempos não ter uma fundação soava ridículo para mim, era algo que precisava ser consertado. Infelizmente, a pandemia atrasou um pouco os planos”, conta.
O último empresário do Rei faz críticas a seus antecessores. “Em alguns momentos, o trataram como um animal de circo, era desrespeitoso. Não consigo arrumar palavras mais diplomáticas, mas ele foi tão mal gerido durante tanto tempo que virou quase obsoleto, é como se tivesse caindo do trono, ele já não era relevante como deveria ser sempre. Decidimos que ele tinha de voltar para casa neste estágio da vida e fizemos bons negócios com Vivo, Gatorade e outras marcas no Brasil”, completa o americano, sem meias palavras, falando em seu idioma natal.
Joe Fraga diz que Pelé precisava de um “rebranding”, jargão publicitário que se refere a uma mudança de identidade, uma renovação. Em outras palavras, o empresário queria aumentar o alcance do Rei dentro de uma fatia enorme da população, a que não o viu jogar, e investiu no melhor canal para isso: as redes sociais. “Ele tinha alguns canais, mas não havia uma estratégia por trás. Praticamente começamos do zero. Não adianta ter seguidores falsos, robôs, é preciso limpar tudo e construir um engajamento real. A esta altura, não era uma questão de monetização, mas de massificar sua mensagem, lhe demos uma nova voz”, diz Fraga. O Instagram do Rei tem hoje quase 16 milhões de seguidores.
O principal trunfo foram os posts nos quais Pelé interagia com estrelas da atualidade, como Neymar, Mbappé, Messi e Cristiano (inclusive parabenizando-os por superarem seus recordes) ou em mensagens mais sérias, como quando escreveu cartas a Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky pedindo o fim da Guerra entre Rússia e Ucrânia. Joe Fraga garante que mantinha contato constante com Pelé e que, ainda que as postagens fossem redigidas por profissionais nos EUA e no Brasil, o conteúdo era fruto dos pensamentos e posições do Rei.
Uma das postagens de maior sucesso foi a homenagem de Pelé ao argentino Diego Armando Maradona, morto em 2020, aos 60 anos. Suas interações nas redes humanizaram um personagem pouco conhecido entre os jovens e exaltaram os seus inigualáveis feitos como atleta. “Quando decidimos lançar o Instagram, muita gente achou que estávamos loucos, que não havia por que se meter numa rede voltada a pessoas de 16 a 35 anos. Mas deu certo. Desde o início estabelecemos que ele não faria coisas ridículas, tipo acordar abrindo presentes. Minha vantagem é que Pelé já tinha uma história incrível escrita, nosso trabalho era relembrar suas façanhas e manter seu legado.”
Outro acerto dos novos gestores foi aproximar Pelé dos fãs de e-sports. “Sabíamos que ele não jogaria videogame, mas queríamos inclui-lo neste universo. O setor ainda era muito dominado por jogos violentos e ele nunca quis se associar a isso, mas fizemos uma concessão com o Fortnite. Lançamos futebol no Fortnite com a Pelé Cup, em que o jogador podia destravar a celebração do soco no ar, foi muito legal”, diz Fraga.
O empresário ri com saudades ao relembrar de quando mostrou a Pelé o desenho de um carro projetado em sua homenagem para o game Rocket League. “Desenharam um modelo especial para o aniversário de 80 anos de Pelé e foi um dos ativos mais baixado, ficou realmente bonito. Foi muito engraçado, me lembro de explicar ao Edson do que se tratava, que era quase um futebol com carros. De cara, ele me chamou de ‘maluco’ (risos). Mas mostrei como seria, expliquei, e ele disse: OK, isso é pra crianças, com certeza meus netos vão gostar.”