Doses de insensatez na NBA
A temporada de 2021-2022 ainda não começou – mas a guerra entre os jogadores que defendem a vacina contra a Covid-19 e os negacionistas já entrou em quadra
![Kyrie Irving, do Brooklyn Nets: uma estrela negocianista](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2021/10/GettyImages-1322582529.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
A menos de um mês do início da temporada da NBA, a liga de basquete dos Estados Unidos, a controvérsia já entrou em quadra. Na segunda-feira, 27, durante a realização do “Media Day”, a jornada de encontro dos atletas com os jornalistas, um assunto se tornou o centro das atenções: a vacinação contra a Covid-19. A NBA, que em 2020, logo depois da eclosão da pandemia, montou uma bem sucedida “bolha”de proteção nas instalações da Disney, na Flórida, com zelo e preocupação exemplar, apesar dos tropeços, conseguiu vacinar 95% dos jogadores com ao menos uma dose de imunizante. É uma taxa muito boa. Porém, nem tudo são flores, porque alguns ídolos populares se recusaram a oferecer o braço para a agulhada salvadora.
O armador do Brooklyn Nets, Kyrie Irving, não compareceu ao “Media Day” presencialmente em decorrência dos protocolos sanitários. Por Zoom, ao ser questionado a respeito da vacina, ele foi direto ao ponto: “Gostaria de deixar o assunto privado”. A resposta evasiva, que parece não deixar dúvida da postura de Irving, combina com uma reportagem da revista Rolling Stone de setembro, segundo a qual ele seguiria páginas no Instagram em defesa de teorias de conspiração. Uma das postagens anunciava, alheia à ciência: a vacina seria um instrumento utilizado por sociedades secretas para conectar a população negra a um supercomputador num suposto plano de satanás. Ambas as páginas do aplicativo citadas pela Rolling Stone já foram devidamente removidas da plataforma. A teimosia da estrela pode pôr em risco as chances de título da equipe do Brooklyn. Peça essencial do time, ao lado de James Harden e Kevin Durant, ele pode até perder metade dos jogos da temporada, por causa das leis de controle da Covid-19 impostas pelo estado de Nova York, que exigem imunização.
Outro foco de polêmica foi o ala Andrew Wiggins, do Golden State Warriors. Ele se recusou a tomar a vacina, e não demonstrou constrangimento ao anunciar: “Mesmo estando com as costas contra a parede, vou continuar lutando pelo que acredito”. No que mesmo acreditaria, ele não revelou. “Não é da sua conta”, respondeu a um repórter durante uma sessão de entrevistas. Wiggins também corria o risco de não poder jogar em casa, em São Francisco, além de ser obrigado a pagar multa por cada partida que não jogar. Ao ser questionado sobre o prejuízo, repetiu a tolice: “Não é da sua conta”. Ele recorreu à NBA, justificando não tomar a vacina por questões religiosas. O pedido, no entanto, foi negado. Seu companheiro de quadra, e estrela de primeira grandeza da Liga, Stephen Curry, cujas posições políticas são sobejamente conhecidas (ele apoiou Joe Biden contra o negacionismo de Trump) cutucou o companheiro com firme delicadeza, ao dizer que a situação de Wiggins “não é a ideal” e completou: “No final quem tem que decidir é ele, não é segredo”. A pressão, certamente atrelada à força dos patrocinadores, funcionou. No domingo, 3, Wiggins foi finalmente vacinado.
Há, contudo, grandes nomes que parecem insistir no egoísmo. Por trás de uma suposta defesa dos direitos individuais, não enxergam a sociedade que os cerca. Em Washington o “all star” Bradley Beal fez coro: “Eu perguntaria a todos aqueles que irão se vacinar, porque é que vocês ainda estão pegando Covid-19? Você ainda pode se infectar e infectar os outros mesmo vacinado, então…” Contudo, o ala armador diz ainda estar considerando o cenário– e não descartou a proteção.
Na NBA, como em outros torneios, reflexo das divisões ideológicas, parece haver uma guerra em nada velada. Em contraponto à turma do não, avessa à ciência, desponta um poderoso grupo a favor da vacina, com nomes como Ja Morant, Damian Lillard, Lebron James e o atual campeão e MVP Giannis Antetokounmpo. Nenhum deles, no entanto, cobrou diretamente seus colegas de profissão. Essa função tem sido feita principalmente pelo ex-jogador e multicampeão Kareem Abdul-Jabbar, hoje comentarista. O lendário pivô tem se posicionado fortemente para que todos tomem a vacina: “Não há espaço para jogadores que estão dispostos a arriscar a saúde e a vida de seus companheiros de equipe, funcionários e fãs simplesmente porque eles são incapazes de entender a seriedade da situação ou realizar a pesquisa necessária”.
A NBA já anunciou que continuará a incentivar a imunização dos atletas, com multas a jogos perdidos, regras e restrições específicas àqueles que se recusarem a se vacinar. Tudo somado, a temporada de 2021-22 promete ser turbulento, sem favoritismo claro, com times desfalcados e mesmo risco de cancelamento de algumas partidas. Ao menos até que a sensatez faça a cabeça dos irresponsáveis, que podem, sim, ter opiniões e vontades próprias, é do jogo democrático, mas jamais poderiam abandonar o esforço coletivo de cuidados com o vírus.