Corinthians x Palmeiras, o clássico pelos pés de craques mirins
Garotos da categoria sub-13 mal entraram na adolescência e já têm sonhos profissionais (e até empresários). No Parque São Jorge, fizeram belo dérbi
Apesar do agradável domingo de sol e do ótimo momento das equipes no torneio, o clássico entre Corinthians e Palmeiras não recebe bom público. Apenas familiares dos atletas e alguns poucos diretores dos clubes ocupam o estádio corintiano no grande clássico do futebol paulista e brasileiro. Bem mais alto e forte que os adversários, o zagueiro Mina começa levando vantagem sobre os atacantes alvinegros, mas a determinação e o talento de Biro-Biro colocam o Corinthians em vantagem. Sem poder jogar, os volantes Edu Gaspar e Gilmar Fubá celebram o golaço nas arquibancadas do Parque São Jorge, enquanto Paulo Nunes aguarda sua chance no banco de reservas do Palmeiras. Não, esta não é uma viagem pela história centenária do dérbi, mas um jogo real, pelo Campeonato Paulista sub-13, realizado no último domingo.
“Meu filho está tranquilo. Na verdade eu o agitei, dizendo que era dia de clássico”, brincou Edu Gaspar, pai de Luigi, meia de 13 anos, que começou na reserva do Corinthians. Há mais de 30 anos, o hoje gerente da seleção brasileira fazia um caminho semelhante ao do filho. “Cheguei ao Parque São Jorge com cinco anos, passei por todas as categorias. Mas hoje é tudo diferente, a estrutura é maravilhosa”, contou o ex-jogador, campeão mundial pelo Corinthians e cria do famoso campo chamado de terrão – que não é mais de terra, mas de grama sintética, onde os meninos treinam de três a quatro vezes por semana. Na arquibancada destinadas à torcida visitante, outro ex-volante de sucesso também torcia pelo filho. Magrão, que passou por Corinthians e Palmeiras na década passada, observou cada movimento do herdeiro Pedro, mas tirou a pressão do garoto. “Ele ainda é muito novo. Nessa idade o mais importante é se divertir.”
O clássico, de fato, tem um claro aspecto lúdico e lembra o esporte como deveria ser, por princípio: correria intensa, raras entradas violentas (não há cartão vermelho na categoria e os árbitros atuam quase como “educadores”) e também poucos palavrões, inclusive nas arquibancadas. Alguns garotos já demonstram bastante maturidade. Muitos são fortes e ultrapassam 1,70 metro de altura. “Você não tem 13 anos…”, gritou um torcedor corintiano em direção a Matheus Benedito, 1,76 m, apelidado de Mina por sua incrível semelhança com o zagueiro colombiano do time profissional do Palmeiras. Outros têm muita habilidade e uma certa dose de “irresponsabilidade”, como Pelezinho, o baixinho camisa 9 do Palmeiras que infernizou os defensores do Corinthians. A maioria dos garotos tem apelido, quase sempre inspirados em atletas consagrados. Um deles já chama muita atenção: nascido em Campinas em 2004, Guilherme Cunha, o Biro (por causa do corte de cabelo semelhante ao do ex-jogador Biro-Biro), é o camisa 10 e capitão do Corinthians sub-13: habilidoso meia canhoto, abriu o placar do dérbi mirim depois de dar um corte seco e acertar um belo chute rasteiro da entrada da área.
Biro comemorou com a torcida depois de chutar a bandeira de escanteio, como tantas vezes fez o ídolo corintiano Marcelinho Carioca. Aos 13 anos, Biro já é visto como um talento em potencial e dentro de alguns anos pode pintar na equipe principal. “Com essa crise que assola o mundo todo, os clubes não conseguem mais contratar e nossa ideia é que o Corinthians volte a ser seu próprio fornecedor de talentos”, afirma Célio Silva, ex-zagueiro famoso na década de 90 por seu potente chute e que retornou ao Corinthians em 2017 como treinador das equipes de base.
Empresários e ‘paitrocínio’
Funcionários dos dois clubes revelam que os atletas vêm de todas as partes da cidade, de favelas e até de condomínios de luxo. Por enquanto, os garotos só possuem “vínculo federativo” com suas equipes. Por lei, só a partir dos 14 anos os garotos poderão assinar contratos de formação, morar nos alojamentos dos clubes e receber uma ajuda de custo (ou propriamente um salário, dependendo da qualidade do jogador). Contrato profissional, só com 16 anos. Por isso, todos do sub-13 ainda vivem com os familiares na capital paulista ou na grande São Paulo. Por enquanto, o aporte dos clubes se limita a refeição e transporte, além de uma equipe de psicólogos, nutricionistas e professores.
Assim como Biro e Mina, porém, muitos dos garotos do sub-13 já têm empresários ou uma equipe de profissionais gerenciando suas carreiras. Ou ao menos um acordo com fornecedores de material esportivo – suas coloridíssimas chuteiras são modelos de última geração, que podem custar até 1.000 reais. “Eu não sou contra o empresário, o problema é a lei. O clube deveria ter mais direitos sobre o jogador, pelo menos até ele chegar ao profissional, porque os gastos que o clube tem na formação são muito altos”, diz Márcio Bittencourt, ex-jogador e técnico do Corinthians, que hoje trabalha na captação de talentos junto de Gilmar Fubá, outro antigo ídolo alvinegro.
O pai de Luiz Guilherme, o Robinho, criativo camisa 10 do Palmeiras, aprova o trabalho dos empresários do filho. “Uma empresa veio nos procurar, mostrou um projeto legal. São pessoas de boa índole. Quando falamos de empresário, as pessoas se assustam, mas nessa idade é necessário o jogador ter uma assessoria. Os pais muitas vezes agem na emoção, por isso é preciso ajuda profissional”, diz, pouco antes de o Palmeiras empatar a partida com João Vitor, que aproveitou rebatida do goleiro André e mandou para as redes. Na comemoração, o veloz camisa 7 do Palmeiras imitou o gesto de “cortar pescoços” popularizado por Henrique “Ceifador”, do Fluminense.
Chuteiras proibidas, redes sociais e media training
A influência que os craques da TV exercem sobre os garotos é incontrolável, do penteado aos pequenos gestos. Adolescentes e até crianças já estão conectados digitalmente e as redes sociais representam um perigo real. Evidentemente, nem todos os meninos torcem pelo time que atuam – assim como Rivellino era palmeirense e Gabriel Jesus era corintiano antes de se tornarem ídolos dos rivais. Os garotos são orientados desde já a se policiar sobre tudo o que postam. Como já ocorreu em casos envolvendo profissionais, um tuíte antigo pode significar uma porta fechada.
No caso do Corinthians, até a cor da chuteira faz parte do código de conduta interno: calçados verdes (a cor do rival Palmeiras) estão vetadas em todas as categorias, inclusive no time profissional. Certa vez, um menino do sub-13 teve de trocar a chuteira que tinha as travas verdes no intervalo, por causa da implicância de um torcedor fanático na arquibancada.
Conscientes de que muitos jovens conhecem mais a história do Barcelona ou do Real Madrid do que dos próprios clubes que defendem, Corinthians e Palmeiras também realizam trabalhos para familiarizar os meninos às tradições dos clubes. Visitas às arenas em dias de jogos, à sala de troféus e encontros com jogadores e ex-jogadores são constantes. O famoso “media training”, processo de orientação para encarar a imprensa – responsável por padronizar o discurso dos atletas e, assim, evitar declarações comprometedoras –, costuma ser realizado mais tarde, por volta dos 16 anos. Também por isso, os adolescentes do sub-13 ainda não estão autorizados a dar entrevistas.
Empate eletrizante no Parque São Jorge
Ao contrário da preliminar, pelo sub-11, em que as crianças atuaram num campo de dimensões reduzidas, o dérbi do sub-13 foi jogado no gramado profissional, de cerca de 110 metros por 70. Em dois tempos de trinta minutos (a partir do infernal calor das 10h da manhã), com parada técnica para hidratação, os jovens cansaram na segunda etapa e gastaram o fôlego muito mais para atacar do que para defender. O palmeirense Pelezinho, de 1,54 metro, seguia encarando os defensores, mas o Corinthians do técnico Célio Silva mostrou ter uma defesa firme. Caio, o camisa 3, foi quem mais mostrou segurança e recebeu muitos aplausos das arquibancadas.
Já no meio da segunda etapa, foram a campo Luigi e Pedro, os filhos de Edu Gaspar e Magrão. O corintiano teve uma chance preciosa de gol: após contra-ataque, recebeu livre na esquerda e invadiu a área, mas Mina fez valer seu tamanho e força e tomou-lhe a bola no momento da finalização. Pedro é canhoto, joga de cabeça erguida e tem bom passe (curiosamente, lembra mais o estilo de Edu do que do pai Magrão), e fortaleceu o meio-campo do Palmeiras.
Com Biro apagado na segunda etapa, quem melhor segurou a bola no ataque do Corinthians foi o centroavante Felipe. Canhoto, alto, não escapou dos gritos de “Vai, Jô” por sua semelhança com o ídolo do profissional, outra cria do “terrão”. Já no fim, o técnico Rogério Ferreira (ao contrário do rival, o Palmeiras prefere treinadores de formação a ex-jogadores para trabalhar na base) colocou em campo o baixinho atacante Fabinho, que por seu cabelo loiro e corte “tigelinha” foi imediatamente chamado de Paulo Nunes (ídolo alviverde nos anos 90 e detestado no Parque São Jorge).
O menino, que na verdade atua no time sub-12 mas foi “promovido”, logo distribuiu pedaladas. “Esse moleque é bom, todo mundo já ouviu falar dele”, diz um dos pais de corintianos no alambrado. Mas apesar das chances criadas, os goleiros garantiram o empate em 1 a 1. Após a partida, os garotos se cumprimentaram com abraços e deixaram o gramado sorridentes com a participação no clássico. No dia seguinte, contariam aos colegas da escola a emoção de disputar um dérbi. “A preocupação nessa idade não é o resultado, mas afastar os meninos das coisas erradas, dar alimentação, estudo, e formar homens de caráter”, diz Gilmar Fubá.