Bola dividida: a disputa por uma liga profissional eficiente e rentável
Como sempre ocorre no futebol brasileiro, ninguém se entende
As primeiras ligas profissionais de futebol surgiram no fim do século XIX na Inglaterra e na Escócia. A Football League e a Scottish Football foram responsáveis por popularizar o jogo em seus países e inspiraram organizações semelhantes na Europa e em outras partes do mundo. No século XXI, Premier League (Inglaterra), La Liga (Espanha), Serie A (Itália) e Bundesliga (Alemanha) estão entre as mais assistidas — e, portanto, entre as mais valiosas do mundo. Não é de hoje que o Brasil busca reproduzir o modelo de sucesso do Velho Continente, mas os cartolas sempre acabam tropeçando na falta de união e na ganância desmedida. Duas novas iniciativas prometem superar os velhos obstáculos de uma vez por todas. A bola, contudo, segue dividida.
A Liga do Futebol Brasileiro (Libra) e a Liga Forte Futebol do Brasil (LFF) disputam o coração dos clubes com a promessa de organizar campeonatos fortes e economicamente rentáveis. “Unidos, os times podem negociar melhor com a mídia e aumentar as receitas”, diz Thiago Scuro, CEO do Red Bull Bragantino, integrante da Libra. Como quase tudo no futebol brasileiro, o cenário é pouco harmonioso. A LFF é uma dissidência da Libra e, até agora, não há consenso sobre qual modelo será vitorioso, embora eles pouco se diferenciem (veja o quadro).
Por trás da disputa, claro, há interesses financeiros. Quem patrocina a Libra é a Mubadala Capital, fundo de investimentos bilionário dos Emirados Árabes Unidos, que promete investir 4,75 bilhões de reais nos dois campeonatos. A LFF trabalha com a Serengeti Asset Management, dos Estados Unidos, em parceria com a LCP Corretora, de Curitiba, que oferecem 100 milhões de reais a mais do que a outra proposta — mas de forma parcelada. Por ser uma empresa bem menor que a rival árabe, o arremate é visto com desconfiança. Entretanto, de acordo com pessoas envolvidas nas negociações, a XP Investimentos já garantiu que o dinheiro existe. “Eu tenho plena confiança de que o trabalho é sério”, afirma Marcelo Paz, presidente do Fortaleza e um dos fundadores da LFF. “Do contrário, não teria assinado.”
Afinal, que benefícios concretos a criação das ligas traria para o futebol brasileiro? Um ponto relevante ressaltado pelas duas correntes diferentes diz respeito à remuneração dos clubes para as transmissões das partidas. A tendência é que a disparidade financeira diminua, o que teoricamente tornará as disputas mais equilibradas. Um exemplo com os times que disputaram a Série A do Campeonato Brasileiro no ano passado mostra o escandaloso abismo entre eles. O Flamengo recebeu da TV Globo 163,9 milhões de reais, enquanto os dois “lanternas”, Cuiabá e Red Bull Bragantino, levaram 146 700 reais cada um — uma diferença de mais de 1 000%. As duas ligas sugerem fórmulas menos discrepantes. Para a Libra, 40% das receitas de transmissão seriam divididas de forma equânime entre os clubes. Para a LFF, o montante deveria ser de 45%. Outro aspecto a se destacar é a possibilidade de criação de uma marca nacional, a exemplo da Premier League na Inglaterra e da La Liga na Espanha. Uma marca forte, e com o prestígio do futebol brasileiro, poderia se tornar internacional e gerar novas receitas para os clubes. Ela também tem potencial para beneficiar os torcedores — clubes mais ricos montam times melhores, e o espetáculo só tem a ganhar.
No papel, tudo isso parece promissor, mas muitas dúvidas pairam no ar. Quem será a liderança eleita para gerir os campeonatos sem levar em conta preferências futebolísticas e interesses pessoais? Se um time fundador da liga cair para a segunda divisão, cumprirá o seu dever de disputar o torneio menor? Investidores internacionais, como árabes ou americanos, serão capazes de entender as peculiaridades que regem o futebol mais vitorioso do mundo? São perguntas sem respostas e que merecem esclarecimentos imediatos dos envolvidos. Por enquanto, a bola permanece distante do gol e o jogo segue truncado. Pobre futebol brasileiro.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2023, edição nº 2832