Restam menos de dois meses para o início da Copa do Mundo de futebol no Catar e, como de costume, a seleção brasileira iniciará a disputa entre os fortes candidatos ao título — desta vez, com argumentos mais sólidos do que os clichês sobre tradição e peso da camisa dos pentacampeões. A esperança de que o jejum de vinte anos possa chegar ao fim reside não apenas na solidez do time, que terminou as insossas eliminatórias sul-americanas de forma invicta, mas também no surgimento de uma nova leva de atacantes cheios de graça e vitalidade. Vinicius Jr., Antony, Raphinha e Richarlison estrearão no Mundial na condição de esperanças do hexacampeonato.
Enquanto outros favoritos patinam, como a atual campeã França, além de Alemanha, Inglaterra e Portugal, todas eliminadas na primeira fase da Liga das Nações da Uefa, o Brasil segue em viés de alta. O ciclo para o Catar foi encerrado com triunfos de 3 a 0 sobre Gana e 5 a 1 sobre a Tunísia, em amistosos na França. Em seis anos de trabalho, Tite soma 58 vitórias, treze empates e só cinco derrotas, com 166 gols marcados e 27 sofridos. Ainda que os resultados sempre tenham sido bons, o Brasil não encantava nem mesmo o próprio treinador e muito menos a torcida e a opinião pública. A derrota em casa para a Argentina na final da Copa América, em 2021, foi um duro golpe. A VEJA, Tite admite ter ganhado novo fôlego justamente após a entrada dos jovens atacantes, a quem chama carinhosamente de “perninhas rápidas” por sua agilidade. “A seleção foi se construindo, testando sistemas. Antes faltava uma criação maior”, diz Tite. “A vinda dessa nova geração de atletas, principalmente do setor da frente, com grande qualidade técnica individual, trouxe a nossa melhor versão.”
A nova formatação faz lembrar o já saudoso Jô Soares e os apelos de seu personagem Zé da Galera, que em 1982 clamava ao técnico Telê Santana (o último a dirigir o Brasil em Copas seguidas antes de Tite) para que escalasse pontas. “Dessa crítica eu não sofro”, brinca o comandante. “Me questionam por que não tenho um lateral ofensivo como Jorginho ou Cafu. Não é o que eu quero ou não quero. Se eu tenho dois ótimos pontas, para que vou colocar o lateral ali?”
Os jovens estão dando conta do recado e devem ter papel fundamental na Copa. O momento da virada se deu em Caracas, há menos de um ano, em outubro de 2021, quando o Brasil saiu perdendo para a Venezuela, mas virou para 3 a 1 depois da entrada de Raphinha, Antony e Vinicius Jr. O marasmo criativo chegou ao fim e Tite se viu quase obrigado a abandonar o estilo conservador, porém não agiu sozinho. De início, chegou a torcer o nariz quando seu estafe, que inclui o filho e auxiliar Matheus Bachi, insistiu pela convocação de Raphinha, então no Leeds, clube modesto da Inglaterra. A comissão perseverou, o técnico cedeu e não se arrependeu. O prodígio mais badalado, no entanto, é mesmo Vinicius Jr., a carismática estrela do Real Madrid. Dos novatos, é quem menos rendeu, mas suas atuações no gigante espanhol o credenciam a brigar por uma vaga de titular em Doha.
O histórico de glórias brasileiras passa sempre pela presença de sangue novo. O caso mais emblemático é o de Pelé, protagonista do primeiro título, em 1958, aos 17 anos. No penta em 2002, o time titular contava com Kleberson (23 anos), Gilberto Silva (25), Lúcio (24) e Ronaldinho Gaúcho (22). Há, porém, casos de precipitação. Na Rússia, em 2018, Gabriel Jesus, aos 21 anos, recebeu a camisa 9, mas decepcionou, sem nem um mísero golzinho. Mais maduro, pode se redimir. E Neymar? Aos 30 anos, a estrela do time, em ótima fase no PSG, enfim terá responsabilidades divididas. Favoritismo não ganha jogo, mas há razão para otimismo. O desafio de Tite será achar lugar para todos. Mas cabe um alerta: Sérvia e Suíça, dois dos adversários da primeira fase no Catar, são complicados — apenas Camarões parece ser presa fácil. A ver.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809