A esta altura do campeonato, depois de tanto kickflip e frontside ollie, o mundo inteiro sabe que a skatista Rayssa Leal, medalha de prata na Olimpíada de Tóquio, ganhou o apelido de “fadinha” por causa de um vídeo gravado aos 7 anos de idade — nele, aparecia fantasiada de azul, livre e sonhadora, em cima de quatro rodinhas. Esqueçamos o diminutivo, apesar da graça juvenil da menina de 14 anos recém-completados em janeiro. Rayssa virou fada e sua mágica, agora, é atrair patrocinadores como gente adulta. Na semana passada, ela pintou e bordou nas redes sociais — são 6,7 milhões de seguidores no Instagram, mais de 222 milhões de visualizações de seus vídeos no TikTok e contando… — para divulgar um tênis da Nike especialmente confeccionado a partir de sua imagem vencedora, o sorriso emoldurado por aparelhos nos dentes. É o SB Zoom Verona Slip x Rayssa Leal, nome imenso, afeito ao gosto dos jovens, que traduz um duplo movimento: a espetacular carreira da campeã de um esporte que até outro dia tinha estigma de marginal e o zelo das grandes marcas pela poderosa força publicitária da mocidade. “Nossa, eu fiquei tão feliz quando eu soube do tênis”, disse Rayssa a VEJA. “Esse projeto começou em 2020, porque demora um projeto desses, né? Tem gente que acha que aconteceu por causa da medalha dos Jogos Olímpicos, mas não foi não. Espero que as pessoas gostem e, assim, sempre que forem colocar no pé, leiam a frase que está na palmilha para se inspirarem e não deixarem nunca de sonhar.” A frase estampada: “Se você pode sonhar, você pode realizar”.
O estafe de Rayssa e a Nike não revelam as cifras do acordo — mas não há dúvida dos motivos que levaram a grife americana a atraí-la. Um estudo da consultoria Hookit, especializada na análise do poderio econômico das redes sociais, mostrou que uma simples postagem de Rayssa, logo depois da medalha olímpica, garantiu algo em torno de 800 000 dólares para quem apostou na moça. Hoje, ela tem doze patrocinadores, fundamentalmente de marcas que conversam com a juventude desde sempre, como o achocolatado Nescau, ou as que pretendem rejuvenescer, como a H. Stern, de joias. “Ela exala jovialidade, doçura e entusiasmo, atributos que as marcas procuram cada vez mais”, diz Amir Sommogi, sócio da empresa de marketing esportivo Sports Value.
O movimento é inexorável: quem não conversar com os novíssimos consumidores sai do mapa. A chamada geração Z, dos nascidos entre 1996 e 2015, tem um poder de compra estimado em 140 bilhões de dólares anuais. É o segmento consumidor que mais cresce, e por isso é fundamental cultivá-lo.
A propaganda atrelada a gente famosa ajuda a contar a história da civilização industrial, e foi assim desde o começo do século XX. No esporte, contudo, é razoavelmente recente. É inadequado comparar o incomparável, sobretudo na velocidade das transformações impostas pela internet, mas é difícil tomar conhecimento do tênis de Rayssa e não se lembrar de Michael Jordan, o maior jogador de basquete de todos os tempos, que praticamente moldou o marketing esportivo. Em 1984, ele foi o primeiro a ter um tênis com seu nome, o Air Jordan, o primeirão a estrelar pequenos filmes de TV dirigidos por diretores como Spike Lee. Em 2021, a grife Jordan faturou inacreditáveis 4,7 bilhões de dólares, em crescimento de 31% em relação ao ano anterior (lembre-se que o campeão abandonou as quadras há mais de vinte anos). O skate não é basquete, Rayssa não é Jordan, mas se você pode sonhar, pode realizar.
Publicado em VEJA de 2 de março de 2022, edição nº 2778