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Esporte

Vida de atleta: a rotina de um time profissional de e-sports

VEJA visitou a novíssima sede da paiN Gaming, uma das principais equipes do Brasil, e comprovou a evolução dos esportes eletrônicos no país

por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 27 jan 2023, 17h41 - Publicado em
27 jan 2023
14h42

Um centro de primeira linha

Funcionários da paiN Gaming, com as camisas de cada temporada ao fundo
Funcionários da paiN Gaming, com as camisas de cada temporada ao fundo (- Kaio Lakaio/VEJA)

E-sports é esporte ou entretenimento? A controvérsia levantada pela ministra do Esporte, Ana Moser, detalhada em recente reportagem de VEJA, acabou fugindo de seu ponto central, o debate sobre a necessidade de modalidades de jogos eletrônicos receberem aporte estatal. Esta indústria já caminha perfeitamente com as próprias pernas só em 2022, os games movimentaram 184,4 bilhões de dólares, segundo a consultoria Newzoo. No Brasil, há mais de 100 milhões de praticantes, dos quais uma parcela cada vez maior consegue viver disso. A reportagem visitou a recém-inaugurada sede da paiN Gaming, uma das maiores organizações de e-sports do país, e pôde atestar: o ambiente é 100% profissional e os jogadores de League of Legends (LoL), Free Fire e outros games levam uma rotina tão regrada quanto qualquer atleta de elite de esporte tradicional.

O centro de excelência localizado no bairro da Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo (SP), é o maior espaço do gênero na América Latina, com mais de 1.500 m². Foi inaugurado em novembro do ano passado, seguindo os moldes das maiores equipes do mundo. A construção teve início em 2020 e custou 10 milhões de reais. Ali, trabalham cerca de 100 funcionários, incluindo 40 pro players, como são chamados os atletas. Um deles é Marcos Oliveira, mais conhecido como CarioK, em alusão a seu estado natal nos e-sports, todos têm um apelido. “O meu não é dos mais criativos”, brinca o atleta de 22 anos, caçador da equipe de League of Legends (Lol).

Troféu da PaiN Gaming estão expostos no museu da organização
Troféu da PaiN Gaming estão expostos no museu da organização (Kaio Lakaio/VEJA)

Logo na entrada, destaca-se uma enorme arquibancada para cerca de 150 torcedores. Os chamados paiNzetes são frequentemente convidados a assistir os jogos no telão de 3 metros de altura. No térreo, há uma loja oficial, onde a camisa da temporada 2023 é vendida a 189 reais, salas administrativas e até mesmo um museu com todos os troféus conquistados. Nas paredes, estão penduradas as camisas das doze temporadas da organização fundada em 2010. O número e o peso dos patrocinadores nos uniformes dão a medida da evolução. Atualmente, o time conta com apoiadores como BMW, Subway, Tim e JBL.

No andar superior do complexo, há cinco salas de treino para as equipes de LoL, Counter-Strike: Global Offensive e Free Fire. Há ainda quatro salas de stream, áreas administrativas e de apoio como, cozinha gourmet, copa e área de serviço. A visita se deu em semana decisiva, pois acontece neste mês em São Paulo, na sede da desenvolvedora Riot Games, o badalado Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL). A tensão e ansiedade estavam no ar, apesar do clima de descontração.

Arquibancada montada na sede da equipe para receber os paiNzetes
Arquibancada montada na sede da equipe para receber os paiNzetes (- Kaio Lakaio/VEJA)
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Vida de atleta

Marcos Oliveira, o CarioK, da equipe paiN Gaming: atleta de elite
Marcos Oliveira, o CarioK, da equipe paiN Gaming: atleta de elite (- Kaio Lakaio/VEJA)

A pedido dos técnicos, a reportagem não pôde acompanhar os treinos na véspera do CBLOL. CarioK, no entanto, detalhou sua rotina. Os treinos acontecem de segunda-feira a sábado (em períodos de campeonatos, eles atuam no fim de semana e folgam de segunda) do meio-dia às 20h. A equipe de LoL da paiN realiza de cinco a seis jogos por dia, contra times diferentes, e depois revê os principais lances num espaço anexo, com enormes telas de TV. “O treinador aponta erros e acertos e nós opinamos. Ali também estudamos adversários e buscamos estratégias para aperfeiçoar nosso jogo”, diz CarioK.

Como ocorre no futebol, boa parte das equipes brasileiras de e-sports recorre a técnicos e atletas estrangeiros. Neste caso, os asiáticos são referência. O time conta com três sul-coreanos, o técnico Xero e os atletas Choi “Wizer” Ui-seok e Ju “Bvoy” Yeong-hoon. “Nos comunicamos em inglês, mas eles já estão começando a desenrolar um pouco em português. É legal porque aprendemos muito da cultura deles e eles da nossa. Esses dias, eles comeram paçoca e gostaram muito”, conta. “Os asiáticos são muito focados e disciplinados, não cometem erros por desleixo. Lá a sociedade aceita melhor a questão dos games, então eles já levam tudo de uma forma mais profissional.”

Até a inauguração do centro de treinamento, era comum que os atletas morassem juntos nas chamadas gaming houses, espécie de quartel-general dos e-sports. Agora, cada um vive em sua própria casa, sempre próximo à sede, e banca a própria moradia. A paiN não abre valores de salários, mas estima-se que os melhores pro players do Brasil recebam salário entre 5.000 e 30.000 reais, sem contar as premiações. Em 2022, o Brasil foi o quarto país que mais faturou com prêmios de e-sports (10 milhões de dólares), atrás de China, EUA e Coreia do Sul, segundo levantamento da Sports Earnings.

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Pelo fim dos estereótipos

PaiN Gaming conta com mais de 100 funcionários em sua sede
PaiN Gaming conta com mais de 100 funcionários em sua sede (- Kaio Lakaio/VEJA)

Uma das principais lutas da comunidade gamer profissional é se desprender do estigma que relaciona consoles e computadores a sedentarismo e obesidade. Na paiN, não há ninguém muito acima do peso. Os atletas têm acompanhamento nutricional, com refeições saudáveis e balanceadas, e são obrigados a praticar atividades físicas ao menos três vezes por semana. “Como em tudo na vida, é preciso ter equilíbrio. Notamos, inclusive, uma correlação direta entre o bom preparo físico e o rendimento nos games”, conta Thomas Hamence, o CEO da paiN.

“Nossa saúde física e psicológica é prioridade, até porque existe uma pressão por resultados, nossa torcida é grande e cobra. Se eu dormir mal e não me alimentar direito, não vou jogar bem.”, completa CarioK. A paiN também conta com psicólogos, que segundo o atleta ajudam a trabalhar os reflexos e respostas ideais durante o jogo, além de fisioterapeutas. Sim, nos e-sports, também existe departamento médico e os problemas mais comuns são tendinite e problemas na coluna.

Uma vantagem dos e-sports em relação a esportes tradicionais diz respeito à meritocracia. Não é preciso estar em um grande centro ou ter ótimos contatos para chamar a atenção de olheiros, pois as “peneiras” são os campeonatos virtuais dos próprios jogos. Quem se destaca, vai subindo no ranking até eventualmente chamar a atenção de uma organização.

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“Em geral, as filas ranqueadas são o melhor lugar para demonstrar sua capacidade. Todos os times convocam scouts e até mesmo os atletas alertam quando algum menino novo começa a surgir”, diz Thomas Hamence. Foi o que aconteceu com CarioK, que se tornou profissional em 2017, aos 17 anos. “Começou como brincadeira entre amigos, fui subindo no ranking, as organizações começaram a me notar e aí passei a cogitar viver disso.”

Hoje o caçador da paiN desfruta de maior reconhecimento e até de fama. “Antes quando eu dizia que trabalhava com jogos, logo perguntavam se eu desenvolvia os jogos (risos). Hoje mais gente entende que é um trabalho e até já fui reconhecido por fãs nas ruas.”

Sede da PaiN Gaming, em São Paulo, custou 10 milhões de reais
Sede da PaiN Gaming, em São Paulo, custou 10 milhões de reais (- Kaio Lakaio/VEJA)
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Fenômeno nas redes

Barbara Emely, a Babs, influenciadora da paiN Gaming
Barbara Emely, a Babs, influenciadora da paiN Gaming (- Kaio Lakaio/VEJA)

O grupo de funcionários da paiN inclui a mineira Bárbara Emely, de 25 anos, mais conhecida como Babs. Ela diz não ter tanto talento nos games, mas atua em outra profissão de difícil compreensão para os mais tradicionalistas: a de influenciadora da equipe. “Sempre gostei de me comunicar com a galera, de falar sobre jogos nos meus canais, e em 2021 recebi o convite da paiN. De início, meus pais ficaram com um pé atrás, mas depois entendeu do que se tratava.”

A jovem também bate cartão de segunda a sexta e sua rotina não tem nada de amadora. Ela segue à risca uma agenda, que inclui além das gravações de vídeos e lives, diversas reuniões com patrocinadores e eventos publicitários. É trabalho de verdade e que dá retorno. A paiN Gaming tem hoje 1,9 milhão de seguidores no Instagram, mais do que grandes clubes de futebol como Fluminense, Athletico Paranaense e Botafogo e um pouco menos do que Santos e Vasco.

Babs diz que o grosso de seu público é formado por jovens e adolescentes. “Antes era bem mais masculino, mas hoje já está mais equilibrado. A chegada de uma equipe feminina da paiN motivou ainda mais as meninas a torcer.” A interação nas redes sociais é constante e os funcionários da paiN garantem atenção especial a temas sensíveis. A abordagem tem de ser inclusiva e a equipe adota tolerância zero com casos de homofobia, misoginia ou qualquer tipo de preconceito. A organização chegou a suspender ou desligar alguns atletas que infringiram esta norma.

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Nos e-sports, também existe uma intensa rivalidade, especialmente com a equipe LOUD, a maior torcida do país. A paiN, inclusive, foi derrotada pelo rival na estreia do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL) na última semana, um resultado que gerou piadas e provocações nas redes sociais. “Rola muita brincadeira, às vezes temos de ter cuidado com o que falamos e postamos, mas é uma rivalidade sadia, não é como em outros esportes” contou Babs, na véspera do duelo.

A paiN ainda venceu a Vivo Keyd Stars na primeira rodada e neste próximo fim de semana encara a RED Canids Kalunga, dia 28, às 16 h(no horário de Brasília), e a Los Grandes, no dia seguinte, às 14 h. O campeonato é exibido na Twitch e no YouTube e as altas audiências comprovam: esporte ou não, trata-se e um fenômeno consolidado e em plena ascensão.

A influenciadora Babs na sala de reuniões da paiN
A influenciadora Babs na sala de reuniões da paiN (- Kaio Lakaio/VEJA)
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