Ex-caixa de banco e camisa 10 modesto, argentino encanta torcida do Santos com estilo elétrico. E curte a nova vida na praia
Ao pisar no gramado do Pacaembu ostentando suas roupas justas, braços cobertos por tatuagens e careca reluzente, Jorge Sampaoli tem seu nome gritado pela torcida do Santos e retribui com acenos tímidos e um sorriso quase constrangido. Pouco mais de dois meses depois de iniciar sua aventura pelo futebol brasileiro, ainda curando as feridas de uma Copa do Mundo frustrada, o treinador argentino de 58 anos já desfruta da condição de ídolo na cidade litorânea onde, além de transformar uma equipe desacreditada na melhor do Campeonato Paulista até o momento, tenta espairecer com passeios na orla e partidas de futevôlei com desconhecidos. Sampaoli, no entanto, tem enorme dificuldade para “desligar”. Fala muito, dorme pouco. Para ele, intensidade é uma filosofia de vida, não apenas uma exigência em campo, e já era assim desde os tempos de caixa de banco e jogador não mais que esforçado em ligas amadoras de sua cidade natal, Casilda.
“Jorge vive a passos muito rápidos, é uma pessoa muito urgente”, define o jornalista argentino Pablo Paván, conterrâneo, amigo e autor da biografia autorizada por Sampaoli, No Escucho y Sigo – o nome é um trecho da música favorita do técnico roqueiro –, lançada em 2015 e não traduzida para o português. À beira do campo, ‘Sampa’ é performático. Diante do Mirassol, no último domingo, gesticulou a cada jogada – chegou a perder a paciência, arrancar o boné e chutar tudo que viu pela frente por causa de um mero recuo de bola que julgou desnecessário – e celebrou loucamente, dentro do campo, o gol da vitória marcado por Jean Mota, no último lance. Mesmo diante da impaciência das arquibancadas, seu time não se desesperou e manteve a bola no chão até encontrar a vitória. “O protagonismo não se negocia nunca”, disse, em puro castelhano, na entrevista pós-jogo, explicando sua forma de encarar o jogo, filosofia que os alvinegros mais entusiasmados já apelidaram de “Sampaolé”.
O argentino, aos poucos, se acostuma com a nova vida no Brasil. Divorciado e longe dos filhos Alejandro e Sabrina, já adultos, alugou um apartamento em Santos, onde mora sozinho – a namorada, a chilena Paula Valenzuela, e os cachorros são aguardados em breve (uma das mascotes se chama Bulla, apelido da Universidad de Chile, clube onde ganhou fama internacional a partir de 2011). O treinador se move pela cidade com o próprio carro e tem sido visto com frequência, nas manhãs de folga ou fim de tarde, nas areias do canal 3, onde pratica futevôlei e tamboréu. “Ele gostou do clima da cidade e do trato das pessoas, isso o anima a se relacionar. Jorge gosta de se inserir na cultura local”, contou o amigo Paván, lembrando que durante a passagem pelo Sevilla, da Espanha, Sampaoli andava normalmente de metrô pela cidade. Com a imprensa, a relação é mais fria e protocolar: fecha a maior parte dos treinos, raramente faz brincadeiras diante das câmeras e evita entrevistas.
Quando não está em um campo de futebol ou na praia, Sampaoli quase sempre recorre à academia. O hábito de passar horas levantando peso é relativamente recente na vida do técnico, que a partir de 2016, já consagrado como campeão da América pela seleção chilena, começou a encher os braços de tatuagens e usar roupas mais justas. Enquanto malha, gosta de ouvir música – sempre rock argentino – e ler. Em casa, combate a insônia crônica assistindo a filmes e séries – além, claro, de futebol. “Jorge não dorme nunca”, dizem pessoas próximas. O filme que mais o marcou recentemente foi a comédia argentina Cidadão Ilustre, de 2016, pois se identificou com o protagonista, um escritor portenho e vencedor do Nobel de Literatura, que retornou à Argentina após 30 anos vivendo na Europa, e se sentiu um elemento estranho em sua própria terra. Sampaoli é argentino e casildense com orgulho, mas também um andarilho da bola e cidadão do mundo.