Xuxa, Eliana, Ratinho, Ronnie Von e Marília Gabriela explicam por que não há substitutos para a apresentadora, que completaria 90 anos nesta sexta, 8
Em seis décadas de carreira, Hebe Camargo fez amigos, conquistou súditos, colecionou joias, mas não deixou um sucessor na televisão. Desde que ela morreu em 29 de setembro de 2012, nenhum outro apresentador ocupou o seu lugar no posto mais alto da realeza da TV.
Hebe, que faria 90 anos nesta sexta, 8 — data comemorada com uma exposição, em cartaz em São Paulo, e um filme, que estreia em agosto — iniciou o seu reinado na TV como apresentadora do programa O Mundo É das Mulheres, em 1955, na extinta TV Paulista. Um começo promissor para quem faz aniversário no Dia Internacional da Mulher. A atração foi a primeira do gênero feminino, que se espalhou pelas manhãs e tardes das emissoras abertas do Brasil.
Majestade de um reino próximo, o dos “baixinhos”, Xuxa Meneghel não quis ocupar o trono deixado pela amiga. Para ela, não há substituta para a apresentadora na TV. “O sofá era mágico, era a continuação da sua sala. Ela era carinhosa demais com todos”, diz. “Quem nasce para ser estrela, é. Seu brilho era enorme e quando estava à frente de uma câmera isso aumentava. Isso você tem ou não tem, e ela tinha de sobra: luz.”
Elas se conheceram numa festa, quando Xuxa tinha 19 anos e ainda não tinha feito sua estreia na TV. “Eu era só modelo e estava ao lado do Pelé. Ela foi muito carinhosa comigo e dançamos até o dia clarear. Tinha um fôlego que eu, na época uma menina, não consegui acompanhar”, conta.
Numa era analógica, Hebe era o que hoje são os influenciadores digitais. “As pessoas esperavam a segunda à noite (quando o programa era exibido) para ver o que ela estava vestindo e quem estaria em seu sofá”, diz Fernanda Felix, produtora do programa da Hebe durante treze anos, tanto no SBT quanto na breve passagem da estrela pela RedeTV!.
Porém, diferentemente dos atuais lançadores de tendências, Hebe não tinha pudores para se posicionar. De política à homossexualidade, opinava, reclamava dos problemas, indignava-se. Em 1994, apresentou o programa com o rosto pintado com as cores da bandeira do Brasil como forma de protesto contra a corrupção revelada na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Orçamento. Era uma referência ao movimento dos Caras Pintadas, que ajudou a derrubar o então presidente Fernando Collor anos antes. “Eu tenho uma vergonha de possuir um título de eleitor e ser obrigada a votar. Eu tenho raiva de tanta desfaçatez”, disse na época (assista abaixo ao vídeo).
Sem medo de opinar, às vezes escorregava. Ao mesmo tempo em que se pintava contra a corrupção, também apoiava o então prefeito de São Paulo Paulo Maluf, enrolado com suspeitas de desvios de dinheiro público, e foi cabo eleitoral do sucessor do político, Celso Pitta, na eleição municipal de 1996. Anos depois, declarou que se arrependeu do voto em Pitta: “Ele estava mal preparado. Como político era incompetente”.
“Ela tinha coragem de manifestar posições políticas publicamente, às vezes contraditórias, mas sempre muito veemente e acreditando em tudo que ela dizia”, diz a jornalista Marília Gabriela.
De acordo com o apresentador Ratinho, seu colega de SBT, mais do que aplaudir os convidados, os expectadores queriam saber o que Hebe tinha para falar. “O programa era ela. O convidado participava, mas as pessoas assistiam mais para vê-la”, conta. Eles se conheceram quando ele ainda apresentava uma atração na CNT, em meados da década de 90, e foi convidado para participar do programa dela. Com o tempo, tornaram-se grandes amigos. “A gente fazia muita fofoca juntos. Ela me contava muitas coisas e eu adorava ouvir. Mas eu também era fofoqueiro e daí a gente falava de um monte de gente e situações. Nos divertíamos, éramos dois fofoqueiros”, conta ele, com um adendo: “Ela sempre procurava falar bem das pessoas de uma forma gostosa e genuína. Todo mundo para ela tinha qualidades”.
Quem conviveu com Hebe na frente e atrás das câmeras, garante que não havia diferença. Para a apresentadora Eliana Michaelichen, a espontaneidade que tanto se busca hoje nos profissionais da TV chegou a níveis altíssimos com Hebe, colocando-a num patamar insuperável. “Ela era extremamente agradecida pela vida e tinha um alto astral que impressionava. Era uma mulher forte, inteligente, determinada e tinha um poder absoluto de unir pessoas ao seu redor”, diz.
“Ela reunia aquela multiplicidade de gente e ideias no sofá”, diz outro nobre da realeza popular, o príncipe Ronnie Von. “Os talk shows de hoje são minimalistas, normalmente com apenas um entrevistado. A diferença do programa da Hebe para os de hoje é que não tem a Hebe para entrevistar.”
Uma das mais experientes entrevistadoras do Brasil, Marília Gabriela concorda. “São anos de experiência, de domínio, controle e influência de plateias. Muito difícil aparecerem ‘Hebes’ com talento para a televisão. Ela foi construída, cresceu dentro da televisão e fez carreira. Hebe tinha um know how e personalidade raras.”
“A questão é: programa igual o dela poderiam existir parecidos, mas sem ela será que vingaria?”, questiona Ronnie Von. Com a televisão em processo de reinvenção, provavelmente nunca saberemos.