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Cuiabá EC, o caçula da elite que não atrasa salários

Modelo de clube-empresa impulsionou ascensão meteórica do novo integrante da Série A do Brasileirão — que não quer ser comparado ao Red Bull Bragantino

por Klaus Richmond Atualizado em 9 abr 2021, 19h40 - Publicado em
2 abr 2021
13h34

Pagamos, sim!

“Nós nunca atrasamos um salário”. A frase é repetida como uma espécie de mantra pelo empresário mato-grossense Cristiano Dresch, 43 anos, ao falar sobre o sucesso do Esporte Clube Cuiabá. O clube fundado em 12 de dezembro de 2001, e ainda desconhecido do grande público, é quase uma utopia em um cenário de dívidas bilionárias e casos recorrentes de atrasos salariais que atingem as camisas mais pesadas espalhadas por todo o país. O sonho por aqui é outro: ser reconhecido e bem mais do que um estreante com contas em dia na elite do futebol brasileiro em 2021.

“Nós nunca atrasamos um só salário, e nem vamos atrasar. Cobrimos o déficit, qualquer prejuízo, com investimento do nosso bolso. E analisamos que tudo tem valido a pena para a nossa empresa. Cumprimos com aquilo que prometemos e a fama de sermos bons pagadores já se espalhou. Ela tem sido decisiva, acredito que o primeiro item que qualquer atleta analisa é esse. Eu vou receber em dia? Aqui vai”, conta Dresch, vice-presidente do Cuiabá, a PLACAR.

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Ele é o rosto do sucesso de um novo modelo no país, o de clube-empresa, no formato de sociedade limitada na qual os donos podem responder com os próprios bens em caso de insucesso de gestão. O clube é administrado por Cristiano Dresch e pelo irmão, Alessandro, donos de indústria do ramo da borracha desde 1989. O patriarca, Aron Dresch, se afastou para presidir a Federação Mato-grossense de Futebol (FMF). Não há figuras como executivos de futebol, diretores e gerentes.

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“O modelo organizacional do futebol não é interessante. O futebol tem muito atravessador, muita gente dividindo o bolo, e que não deveria estar. A contratação de um jogador no Cuiabá não passa por diretor, ou por gerente, elas são tomadas por nós. Não vamos trazer um jogador que vai nos custar milhões, isso trará prejuízos ao nosso negócio, vai doer. Fomos quebrando a cara e aprendendo a fazer isso. Assistindo jogos, aprendendo, por isso resolvemos não ter esses profissionais no processo. Quebramos um paradigma e temos um contato muito mais direto com todos”, explica.

Cuiabá Esporte Clube foi fundado em 2001 pelo ex-jogador Gaúcho –
Cuiabá Esporte Clube foi fundado em 2001 pelo ex-jogador Gaúcho – (Reprodução/Divulgação)

O clube, curiosamente, foi fundado por Gaúcho (1964-2016), ex-atacante conhecido por passagens por Flamengo e Palmeiras. A empresa da família Dresch chegou a patrocinar o Dourado no período, mas rompeu os investimentos em 2005, por um desacordo entre as partes. No período, o clube foi bicampeão mato-grossense, mas resolveu se licenciar em 2006. Voltou em 2009, quando foi comprado pela família.

A ascensão ocorreu em um espaço de pouco mais de 11 anos, com um acesso da Série D para a Série C, onde ficou por sete temporadas, e uma rápida passagem na Série B, de apenas dois anos. “As pessoas nos comparam com o Red Bull Bragantino, mas é uma história totalmente diferente. O Cuiabá saiu da segunda divisão do mato-grossense para a elite do país, o Red Bull pulou etapas com a fusão. A maioria das pessoas nem sabe que o Cuiabá é empresa, cresceu sem essa pecha. São clubes totalmente diferentes. Estamos mais próximos do modelo comum”, analisa Dresch.

Agora na Série A, e com receitas praticamente quintuplicadas, os donos estimam que de 5,5 milhões de reais de cotas televisivas saltem R$ 26 milhões de reais. A folha salarial na campanha da última Série B girava em torno de 1 milhão de reais. Na Série A, o clube pretende chegar a um teto de 3 milhões de reais. Já contratou 11 jogadores, o treinador Alberto Valentim e ainda quer mais. “Vamos anunciar, pelo menos, mais sete ou oito nomes. Precisamos fazer algo diferente agora”.

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O Cuiabá é o primeiro time do Mato Grosso a disputar a Série A desde o Operário, em 1986. Nas décadas de 1970 e 1980, Mixto e Dom Bosco também representaram o estado. O time de uniforme amarelo e verde, conhecido como Dourado (alusão ao peixe dourado, que é um símbolo da região do Pantanal), manda seus jogos na Arena Pantanal, construída para a Copa do Mundo de 2014 por 628 milhões de reais. O estádio com capacidade para aproximadamente 43.000 torcedores, que por anos conviveu com a fama de “elefante branco”, agora receberá os maiores clubes do país em 2021.

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Walter, o 'case' de sucesso

Walter preteriu outros clubes para acertar com o Cuiabá em março –
Walter preteriu outros clubes para acertar com o Cuiabá em março – (AssCom Dourado/Divulgação)

Surpreendeu a todos o anúncio de que Walter havia acertado com o Cuiabá, clube recém-promovido à Série A do Brasileiro. Reserva de luxo de Cássio, o goleiro que decidiu deixar o Corinthians neste ano era nome aguardado como anúncio por algum dos grandes clubes do país. A negociação é comemorada até hoje nos bastidores do clube como uma referência, virou uma espécie de “case” de sucesso.

“Tivemos uma visão de oportunidade. Ele tinha propostas de outros clubes maiores do que o Cuiabá, mas o convencemos pela postura profissional. Conhecia o seu agente há quase dez anos e recebemos informações, saímos na frente. Explicamos o projeto, sobre a cidade e ficamos apalavrados”, conta Dresch.

Mesmo já fechado com o clube, na véspera da viagem, o jogador recebeu duas propostas oficiais de empréstimos para outros clubes. Recusou mesmo assim, sabendo do acordo e da boa fama do futuro time. “Viajaríamos na quarta. Na terça, recebi duas ligações com duas propostas de gigantes do futebol brasileiro. Expliquei ao Walter que nos envolvemos com pessoas de muita credibilidade, muito idôneas, e que não voltaríamos atrás. Ele assinou embaixo”, relata o empresário do jogador, Júlio Fressato.

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Walter foi o primeiro grande nome anunciado pelo clube, mas seguido de outros rostos conhecidos como os atacantes Jonathan Cafu e Clayson, ambos com passagens pelo Corinthians, além de nomes como o lateral esquerdo Uendel e o zagueiros Marllon e Paulão, disponíveis no mercado após o fim de seus contratos. O clube também trouxe o volante Uillian Correia, do Red Bull Bragantino, Camilo, do Lyon, e o jovem atacante Guilherme Pato, do Internacional.

O negócio foi costurado a partir de um empréstimo até dezembro deste ano, mas com um acordo engatilhado para a assinatura de um pré-contrato, em julho. “Pela visibilidade e o jeito como as coisas estão caminhando existe a grande possibilidade de fazermos um pré-contrato. É algo bem avançado, trabalhamos com gente de muita credibilidade. A ideia é permanecer mais, o clube está em uma crescente muito grande”, conta Fressato.

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Novo técnico e mudanças

Nove dias depois de confirmar o inédito acesso à elite, e três dias após o fim da Série B, o clube usou uma de suas redes sociais para anunciar a saída do técnico Allan Aal. Pareceu estranho o fim do casamento com o responsável por levar a equipe à elite após a saída de Marcelo Chamusca, que deixou o clube para assumir o Fortaleza no meio da competição. O clube chama de planejamento.

“O dirigente precisa pensar menos com o coração. Pensamos como empresa e achamos arriscado um treinador ainda sem experiência na Série A. O Allan é jovem, competente, mas queremos um outro perfil e precisamos separar as coisas”, explica Critiano Dresch.

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All assumiu o Guarani, enquanto o Cuiabá contratou Luiz Fernando Iubel, 31 anos, como auxiliar técnico fixo. A saída de Chamusca foi um sinal de alerta para mudanças no clube. Depois da perda, o clube fortaleceu a sua comissão permanente com a contratação de novos profissionais e abriu negociações com uma exigência: não poderiam trazer um preparador físico, praxe comum entre os treinadores no mercado. Alberto Valentim chegou com o auxiliar técnico Fernando Miranda e o analista de desempenho português João Correia.

“Hoje temos mais profissionais e o treinador vai ter que se encaixar a eles. O preparador físico, por exemplo, atrapalha muito a transição de um para o outro. Cuiabá é muito quente, tivemos um jogo em Sorriso que terminou na casa dos 35 graus. Ano passado batemos recorde de lesões musculares, não queremos mais passar por isso”, argumenta Dresch.

De acordo com o dirigente, o clube passa por um processo longo de estruturação. Não eram incomuns pedidos para solucionar problemas de funcionários. “Estamos profissionalizando, há mais de um ano, áreas como a administrativa, jurídica, contábil, vários setores. Estamos fazendo com que o clube funcione. Até hoje respinga situações simples para resolver, não é fácil, mas cresci vendo o meu pai dizer: ‘o boi só engorda aos olhos do dono’. Procuramos delegar funções, acredito em pouco tempo no clube ainda mais organizado, com processos mais automatizados”.

O que não mudará são as decisões e negociações, tratadas sempre diretamente por ele e pelo irmão Alessandro. “Não temos um guru e nunca teremos, isso posso garantir”, explica Dresch. O clube montou desde o último ano um departamento de análise de mercado, inspirado em projetos de sucesso de outros grandes, um deles é Centro de Inteligência do Futebol do Corinthians, conhecido como Cifut, responsável por monitorar e encontrar possíveis nomes no mercado.

Camisa do Esporte Clube Cuiabá –
Camisa do Esporte Clube Cuiabá – (Reprodução/Divulgação)

“Temos investido nisso, nesse departamento de análise de mercado com software para análise de atletas, mas, principalmente, busca por informações. A tomada de decisão sempre será nossa, mas precisamos de analistas de mercado, gente que assista jogos em várias ligas do mundo. A informação hoje é essencial porque o futebol é uma corrida contra o tempo”.

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Base foi esquecida

A rápida escalada ao topo fez com que as categorias de base fossem esquecidas pelo clube. Atualmente, o Cuiabá só conta com as categorias sub-16 e sub-19, com trabalhos iniciados no último ano, mas comprometidos em parte pelo agravamento da pandemia da Covid-19. “Fortalecer a nossa base hoje é um dos grandes objetivos. Eu diria que é o nosso calcanhar de Aquiles, começamos só no ano passado. Fizemos obras no nosso centro de treinamento. Temos alguns atletas em times grandes, mas precisamos melhorar a nossa formação”.

“Estamos investindo nisso, contratamos um coordenador novo. Um dos problemas do estado é a falta de competição maior em torneios de base. Nos próximos anos vamos disputar mais competições, estamos acelerando para melhorar”, acrescenta.

No último ano, o clube fez avaliações, uma delas com mais de 450 inscritos. O atual CT do clube foi adquirido em 2009, por aproximadamente 1.500.000 reais. Desde então, passou por diversas melhorias. Atualmente, possui alojamento, espaço para os departamentos de medicina, fisioterapia e administrativo, além de academia, campos, piscinas, sala de imprensa, cozinha industrial, refeitório e quadra de areia.

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Especialista: modelo clube-empresa

Pedro Trengrouse, advogado, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), coordenador de curso Gestão de Esporte

“O clube empresa é o caminho para mais investimento e melhor gestão, ambos fundamentais para o desenvolvimento do futebol profissional, que hoje é negócio de bilhões e não pode continuar sendo administrado por estruturas criadas para contar tostões, com atividade empresarial sob a natureza jurídica de associações sem fins lucrativos. Onde tudo é de todos, nada é de ninguém. O Cuiabá já nasceu empresa, o dono investe e é responsável pela gestão. É puro-sangue! O problema do Figueirense foi mais pela péssima escolha do investidor que o modelo em si. Embora a lógica de tentar separar o futebol e a associação sem fins lucrativos continuar existindo seja uma temeridade. É assombração à empresa. No Botafogo-SP o investidor organizou tudo, quando houve eleição na associação a nova gestão criou problemas. O exemplo do Red Bull é diferente. Não existe mais associação sem fins lucrativos. Se der certo, ótimo, se não der, acaba. Já diria Hernan Cortez, é importante queimar as caravelas. Agora, o que afasta mesmo é a resistência que dirigentes amadores em geral tem à conversão dos clubes em empresas. Seria porque não teriam espaço numa gestão profissional?

Como em qualquer empresa, o patrimônio investido pelos sócios responde pelas falhas da gestão. Esse é o maior incentivo para eficiência. Além disso, o clube pode pensar em abrir capital, emitir debêntures e atrair investimentos com segurança jurídica, enquanto clubes associativos têm muita dificuldade para planejamento de médio e longo prazo pela instabilidade de eleições periódicas em que compromissos da gestão anterior muitas vezes são descumpridos sem nenhuma grande consequência, além do aumento da fila de credores. Como empresa há muito mais segurança para compromissos de médio e longo prazo, fundamentais para gestão eficiente de um negócio que movimenta bilhões como é o futebol brasileiro hoje. E se o gestor de uma empresa não vai bem, demite-se, e num clube associação se o presidente é ruim, precisa esperar anos para trocar. Ainda, clubes associações falidos continuem a existir feito zumbis, empresas vão à falência de verdade. Quer incentivo maior para mais responsabilidade na gestão? Se falir, outro investidor que compre o que tiver interesse na massa falida e toque adiante.

Desde 2020 que a legislação brasileira permite expressamente a conversão de associações sem fins lucrativos em sociedades empresárias. Basta que a Assembléia Geral aprove e o clube passa a ser empresa imediatamente. Os sócios proprietários se convertem em acionistas. Segundo estimativa do economista Wallim Vasconcellos, ex-vice de finanças do Flamengo, cada título do clube, que vale no máximo 15.000 reais, hoje, seria convertido em ação que valeria, pelo menos, 500.000 reais. E no caso do Corinthians, por exemplo, será que a conversão imediata em sociedade empresária não abriria caminhos para reestruturação da dívida e desenvolvimento do clube via mercado de capitais?

O deputado Pedro Paulo se aprofundou muito nas discussões do PL 5082. Não por acaso a Câmara aprovou quase por unanimidade. No entanto, o ambiente político não permitiu que se fizesse como os países europeus em que a Lei obrigou os clubes a se transformarem em empresas. Em Portugal fizeram primeiro uma Lei como essa em que não se obrigava, ninguém se transformou. Sete anos depois tiveram que obrigar. Acho que vai acontecer isso aqui no Brasil também. Só que aqui não deve demorar tanto. A Receita já entende que clubes têm que pagar o mesmo imposto independentemente da forma jurídica adotada e os clubes estão tão debilitados que não aguentam mais esperar. Alguns já estão pedindo até recuperação judicial”.

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