Único resultado concreto da visita do presidente Jair Bolsonaro aos EUA, o acordo envolvendo a base espacial brasileira em Alcântara, no Maranhão, ainda tem futuro incerto. Localizada num ponto estratégico do globo, próxima da Linha do Equador, a instalação ainda carece de infraestrutura, investimentos e negociação política para que possa entrar num mercado estimado em três bilhões de dólares ao ano.
O que foi acertado em Washington — segundo relatos do embaixador Sérgio Amaral a empresários brasileiros presentes na cerimônia de assinatura — não significa uma cessão do local para os americanos, mas é um primeiro passo para que empresas do país presidido por Donald Trump possam alugar as instalações daqui para lançamentos espaciais.
O ponto principal do acordo é salvaguardar a tecnologia dos Estados Unidos. Pelo texto, não haverá transferência de conhecimento entre os dois países. O grande medo dos EUA é de que suas técnicas sejam copiadas e usadas para fins militares. Há dez anos, o programa espacial brasileiro — que incluía a montagem dos satélites Cbers, em parceria com a China — sofreu problemas de importação de peças americanas. A venda foi barrada porque havia receio de que a tecnologia caísse nas mãos dos chineses.
Empresários e especialistas brasileiros do setor espacial avaliam que o novo acordo vai na direção certa ao tentar alavancar Alcântara, uma base subutilizada há 15 anos, desde a tragédia que matou 21 pesquisadores brasileiros (leia mais na reportagem abaixo). Mas todos são unânimes em dizer que o país ainda precisa fazer muita lição de casa até conseguir lucrar com o negócio, o que não ocorreria antes de três ou quatro anos, tempo necessário para que todos os trâmites sejam acertados — se não houver imprevistos. Passo semelhante chegou a ser dado em 2000, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, mas a iniciativa foi barrada pelo Congresso Nacional dois anos depois.
Para que o mesmo problema não se repita, o acordo assinado neste ano, que começou a ser costurado ainda no governo de Michel Temer, não prevê desta vez que os americanos tenham acesso exclusivo a determinadas áreas dentro de Alcântara. Agora, desde que respeitem a propriedade intelectual americana, brasileiros poderão acompanhar todos os processos. Com isso, o governo Bolsonaro espera que a crítica anterior, de que o texto prejudicaria a soberania nacional, não volte a ser motivo de debate entre os congressistas.
“Um acordo de salvaguardas, se bem conduzido, é, sim, de interesse do Brasil”, afirma Waldemar de Castro Leite Filho, especialista e consultor do setor espacial. Mas ele faz ressalvas: “Se não forem resolvidos os problemas que paralisaram o nosso programa espacial, dificilmente esse acordo trará algum proveito concreto”, diz.
O principal obstáculo, segundo o consultor, é a falta de investimentos. A posição geográfica de Alcântara é estratégica principalmente para o lançamento de um tipo específico de satélite, colocado no espaço em foguetes robustos. Atualmente, a estrutura da base não permite a operação. Não há estimativas orçamentárias específicas para essa adaptação, mas a FAB (Força Área Brasileira) estimou no ano passado que a área precisaria de 70 milhões de reais para ser modernizada. Sem isso, o local seria menos interessante para ser locado por empresas estrangeiras. Na última década, a União destinou em média 28 milhões de reais por ano ao programa espacial brasileiro.