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As últimas 13 horas de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC

por Marcella Centofanti

6h

O sábado amanhece em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, dia 7 de abril. Na escadaria em frente à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, meia dúzia de pessoas cantarola músicas brasileiras. Um homem toca no violão A Dois Passos do Paraíso, hit da banda Blitz nos anos 1980, acompanhado pelos demais: Bye bye, baby, bye bye.

O sindicato ocupa uma construção de quatro andares em uma esquina. Na rua que dá acesso ao estacionamento do edifício, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), entre eles crianças, dormem sobre colchões na calçada, ao relento. No saguão do prédio, militantes do Partidos dos Trabalhadores (PT) repousam sobre jornais ou o chão duro. O termômetro marca 19º Celsius.

Um grupo de petistas de longa data madrugou para chegar ao local às 6h, horário padrão da Polícia Federal (PF) para cumprir mandados de prisão. Eles temiam que os agentes federais aparecessem de surpresa para executar a ordem do juiz federal Sergio Moro. Na véspera, às 17h, havia terminado o prazo dado pelo magistrado para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se entregar à polícia.

Criança descansa no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na cidade de São Bernardo do Campo (SP) – 07/04/2018
Criança descansa no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na cidade de São Bernardo do Campo (SP) – 07/04/2018 (Marcella Centofanti/VEJA)
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7h

Como os agentes não deram as caras, o clima é de calmaria. Sobre a rua, espalham-se quilos de algo parecido com sal grosso. “Tem muita gente religiosa aqui”, diz um homem que vem direto do trabalho.

A um quarteirão do sindicato, a padaria Assembleia acaba de abrir as portas. Pessoas que passaram a madrugada em claro fazem fila para pedir café e pão com manteiga. Uma delas comenta: “A gente não aguenta mais tanto ódio, tanta perseguição. É hora de ir para o confronto. Chega de ‘Lulinha paz e amor’”.

8h

Um ato religioso está marcado em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em 2017. Ela faria 68 anos. Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à Presidência da República, é um dos primeiros políticos a chegar, depois de Luiz Marinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pré-candidato ao governo estadual pelo PT.

Apenas o andar térreo do prédio está aberto para circulação. Seguranças barram a entrada de militantes e jornalistas aos pavimentos superiores. Para subir, é preciso ter autorização da secretária do ex-presidente. O deputado federal Marco Maia (PT-RS) vem acompanhado do ex-ministro Aldo Rebelo (PSB) e do treinador de futebol Vanderlei Luxemburgo, filiado ao PT. Eles precisam passar pelo crivo da secretária, assim como os deputados federais Maria do Rosário (PT-RS), Henrique Fontana (PT-RS) e Paulo Teixeira (PT-SP) e o ex-ministro Aloizio Mercadante.

9h15

Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito da Diocese de Blumenau, tem passe livre na catraca. Perguntado se ia celebrar a anunciada missa, esclarece: “É uma ce-le-bra-ção”.

Conforme o saguão e a rua enchem, os ânimos se acirram. Petistas empurram sobre uma grade um repórter da rádio CBN, identificado por uma credencial pendurada no pescoço. Sob gritos de “Fora, fora!” e “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo [a CBN pertence ao Grupo Globo]”, o jornalista é retirado do local provisoriamente, protegido por seguranças do sindicato e pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP).

10h40

O ex-presidente sai do prédio pela primeira vez, depois de um dia e meio de clausura. Há corre-corre e gritaria. Militantes ocupam qualquer espaço disponível para ver o petista sobre o carro de som estacionado na esquina do sindicato. Cada um se espreme como pode, inclusive petistas de alto escalão, a exemplo do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, do ex-ministro José Eduardo Cardozo e do senador Humberto Costa (PE), líder do PT no Senado.

Dom Angélico inaugura o ato, explicando que, em vez da missa, haveria uma “celebração da palavra”, composta por católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas, crentes e não crentes. Seguem-se discursos, canções e orações, como a de São Francisco de Assis, lida pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Por ter aprovado o repertório musical do evento, Lula é chamado de “Lulapalooza” no microfone, em referência ao festival realizado no Brasil desde 2012. O ex-presidente escolheu pessoalmente duas canções: Asa Branca, de Luiz Gonzaga, que acompanha batendo a mão espalmada no coração, e Deixa a Vida Me Levar, de Zeca Pagodinho. A cantora e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) foi quem articulou a ida a dos músicos ao evento, informa um petista.

Os sambistas balançam o corpo no alto do trio elétrico animadamente. Estão sós. No palco e no chão, os semblantes são de apreensão e seriedade. O líder do PT eventualmente responde a acenos e tenta esboçar sorrisos. “Não se entrega”, grita parte da multidão. Políticos não aderem ao protesto.

O ex-presidente Lula discursa para militantes em carro de som, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – 07/04/2018
O ex-presidente Lula discursa para militantes em carro de som, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – 07/04/2018 (Jefferson Coppola/VEJA.com)
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12h

Lula pega o microfone. A temperatura bate nos 26 º Celsius, mas a sensação térmica é maior na aglomeração. Algumas pessoas passam mal. “Queridas companheiras e queridos companheiros”, saúda, com sua voz rouca. O ex-presidente cumprimenta vários presentes e faz piada com a quantidade de títulos de Mercadante. É um alívio cômico para o momento trágico de sua vida política.

Ele joga confete no “menino” Guilherme Boulos, na “garota” Manuela D’Ávila (PCdoB) e em outros políticos. O segurança do ex-presidente passa pela multidão garimpando deputados federais, senadores e governadores que ainda não subiram ao carro de som. À exceção do ex-governador da Bahia Jaques Wagner, todos os peixes grandes do PT estão lá.

O ex-presidente volta ao passado das greves nos anos 1970 para fazer um paralelo com o presente. Reafirma sua inocência, acusa Sergio Moro de ser mentiroso, critica o procurador “do Powerpoint” (Deltan Dallagnol) de não ter provas, se diz atacado pela imprensa (cita VEJA), condena a elite que “não gosta de pobre”. Sua fala infla a militância.

12h50

Dilma Rousseff é a primeira a deixar o local, à francesa.

12h57

Lula despede-se da multidão e desce do carro de som. Um corredor formado por grades ligando o caminhão a uma entrada lateral do prédio é liberada para a passagem do petista – foi por esse caminho que Rousseff e todos os políticos passaram. O ex-presidente, no entanto, surpreende os presentes ao fazer o trajeto mais longo até a porta principal do sindicato. Atravessa a massa de punho em riste nos ombros de um homem, arrastando a multidão.

13h10

Para se aproximar do petista, as pessoas pulam qualquer obstáculo, de grades a jardins. A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, pede para as pessoas abrirem passagem ao líder. Lula acena um “tchau” antes de sair de cena, enquanto a banda toca Apesar de Você, de Chico Buarque. As portas do sindicato são fechadas, e militantes forçam a entrada, sem sucesso.

Em uma olhada 360 graus na rua, vê-se que metade dos presentes chora, muitos se abraçam. Há gente na casa dos 20 aos 70 anos aos prantos, entre eles o escritor Fernando Morais, que escreve a biografia do petista.

14h30

Boa parte dos presentes vai embora depois do discurso do líder. De acordo com petistas, ele se entregará à PF depois de almoçar. O movimento no comércio ambulante de alimentos é intenso. Vende-se de espetinhos de carne a refrigerantes e cervejas. Perguntado sobre o que acha da prisão do ex-presidente, o vendedor de milho verde responde: “Ele merece estar no livro de história só por ter chegado à Presidência sendo um nordestino que veio a São Paulo em um pau-de-arara”.

Uma saída discreta estava sendo costurada naquele momento entre advogados do ex-presidentes e agentes da polícia. A pergunta é: como alguém poderia sair discretamente de um edifício filmado por quatro helicópteros ao mesmo tempo (em alguns momentos, até seis)?

16h40

Longe dos olhos da multidão, chega pela contramão à sede da TV dos Trabalhadores, a TVT, a Pajero preta que levaria Lula à Polícia Federal na Lapa, em São Paulo. O prédio da emissora fica no quarteirão de trás do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, sua mantenedora. Seis minutos mais tarde, estacionam na calçada mais duas Pajeros, cada uma com dois agentes da Polícia Federal cada. Fortemente armados, eles vestem uniforme de cor verde-militar e coletes à prova de balas cheios de distintivos costurados – em um deles lê-se SWAT, a força de elite da polícia americana. Um dos motoristas usa no pescoço um lenço preto e branco quadriculado, estilo palestino. Duas vans com mais agentes da PF completam o cerco, bloqueando o trânsito da ruazinha até então vazia. O circo está armado para a prisão de Lula.

16h50

Pela saída de emergência do sindicato, o líder do PT entra em um automóvel prateado com Paulo Okamoto, presidente do Instituto Lula e seu amigo pessoal, o advogado Cristiano Zanin e o motorista. O plano era seguir de carro até a TVT, onde os agentes da PF o aguardam. Não deu certo. Militantes percebem o movimento, quebram o portão e bloqueiam a saída do petista. Lula retorna ao prédio.

Um grupo de militantes petistas dirige-se à TVT. Um cinegrafista de capacete, de uma emissora não identificada, é expulso do local com empurrões e gritos. Parados na rua, dois guardas metropolitanos não fazem nada para impedir a agressão. Os petistas permitem somente a presença de um funcionário da TVT.

18h

Gleisi Hoffmann sobe ao carro de som e pede que os manifestantes permitam a saída do ex-presidente. “A Polícia Federal deu meia hora para a gente resolver essa situação. Se não resolvermos, o Lula é responsabilizado”, diz

18h45

Quatro minutos depois de deixar o sindicato a pé, protegido por seguranças, os carros estacionados em frente à TVT para fazer a escolta do ex-presidente acendem os faróis. O portão da sede da emissora é aberto. Na rua, militantes gritam com os braços erguidos: “Lula guerreiro do povo brasileiro”. Seguranças tentam abrir caminho para o automóvel que está para sair. De dentro da sede da emissora, sai a passos apressados Ricardo Stuckert, fotógrafo do Instituto Lula, com a câmera nas mãos. A Pajero preta liga a sirene. Veículos saem em disparada. Manifestantes atiram objetos nas vans, xingam os agentes da PF e correm atrás dos carros. Em 1 minuto e meio, os carros desaparecem de vista. Bye bye, baby, bye bye.

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