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Brasil

A REPÚBLICA E SEUS SÍMBOLOS

Decidida longe das ruas, a Proclamação da República tomou a população brasileira de surpresa.

por Gabriela Terenzi, André Fuentes, Alexandre Hoshino Atualizado em 3 jul 2017, 15h26 - Publicado em
11 nov 2016
11h22

Sotaques da proclamação

QUINZE DE NOVEMBRO DE 1889. O marechal Deodoro da Fonseca, no Campo de Santana, no Rio, reúne 600 militares e uns poucos civis para destituir a Monarquia brasileira, sem derramar uma gota de sangue. Em cerimônia improvisada na Câmara Municipal carioca, a República é proclamada. Chegado o momento das comemorações, constata-se que não há símbolos para celebrar a mudança de regime. Canta-se “A Marselhesa”, hino da França, e é hasteada uma bandeira com desenho semelhante à americana nas cores verde e amarelo. É urgente, percebem os republicanos, substituir os símbolos do regime.

Como narram os jornais da época, o povo brasileiro mal entendia o que se passava. Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva, Silva Jardim, protagonistas do movimento republicano que Brasil, eram pouco conhecidos dos brasileiros. “Ninguém parecia muito entusiasmado”, anotou o correspondente do New York Times. “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que aquilo significava”, escreveu Aristides Lobo no Diário Popular.

Na tentativa de conquistar o apoio da população até então alheia a troca de regime, os republicanos esforçaram-se nos meses seguintes para criar e difundir marcas da República – e apagar vestígios do Império de D.Pedro II. Cidades se encheram de estátuase outros monumentos à República.Ruas, praças e repartições com referências à monarquia mudaram de nome. Mas as grandes apostas de exaltação da República seriam: uma nova bandeira, um novo hino e um novo herói – ou quase isso.

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Tom sobre tom

A DEFINIÇÃO DE UMA NOVA BANDEIRA, assim como outros embates travados nos primeiros dias da República, foi marcada pelo conflito entre três correntes ideológicas: o jacobinismo (ligado à Revolução Francesa), o positivismo e o liberalismo. Partidários dessa última escola chegaram a cogitar uma bandeira brasileira semelhante à americana, com listras horizontais amarelas e verdes e um quadrado do lado esquerdo com as estrelas das federações. Como a proclamação fora liderada por militares positivistas e jacobinos, não caiu nada bem a ideia de subordinar o estandarte brasileiro ao norte-americano.

Outras versões foram propostas por defensores das diferentes vertentes ideológicas em conflito (veja abaixo). No fim, a vitória coube aos positivistas, que optaram por manter as cores e formas básicas da bandeira monárquica, retirando os emblemas imperiais: a cruz, a coroa, os ramos de café e tabaco. As estrelas, mantidas por insistência dos liberais, por lembrar a flâmula americana, foram colocadas em um círculo. E tascaram a mais positivista das inscrições: “Ordem e Progresso”. A obra foi do pintor Décio Villares.


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Bandeira imperial

Verde – A Casa de Bragança (Dom Pedro I)
Amarelo – A Casa de Habsburgo (Dona Leopoldina)
Losango – Remete às bandeiras do exército napoleônico
Brasão azul com a esfera armilar – Presente desde a bandeira do Principado do Brasil, remete à tradição portuguesa
Cruz vermelha – Referente à ordem de Cristo
Anel azul carregado com 20 estrelas de prata – Referentes às 20 províncias do Brasil
Dois ramos – um de café, o outro de tabaco, representando a agricultura brasileira

Bandeira republicana

Verde e amarelo – Interpretações a posteriori atribuíram as cores às riquezas naturais e minerais do país. Essa explicação, porém, não constava da justificativa de Teixeira Mendes para a nova bandeira
Estrelas no céu azul – Reprodução do céu do Rio de Janeiro na manhã de 15 de novembro de 1889, com as estrelas representando os Estados da Federação
“Ordem e Progresso” – A influência dos positivistas na proclamação da República. Augusto Comte (1798-1857), principal ideólogo do positivismo, escreveu: “O amor por princípio, a ordem por base, e o progresso por fim”. No caso brasileiro, deixaram de fora o amor.

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Coube a Teixeira Mendes, um filósofo positivista, a tarefa de justificar o emblema. Escreveu: “…o símbolo nacional devia manter do antigo tudo o que pudesse ser conservado, de modo a despertar em nossa alma o mais ardente culto pela memória de nossos avós. Mas, por outro lado, devia também eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento da solidariedade cívica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos. Foi justamente o que se fez.”

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O símbolo não foi aceito por todos. Duas polêmicas foram levantadas à época: um astrônomo contestou as dimensões do Cruzeiro do Sul na bandeira, dizendo que o eixo da constelação em relação ao polo sul estava invertido (o erro foi comprovado e a bandeira que usamos hoje foi modificada para corrigi-lo). Outra controvérsia foi que o bispo do Rio de Janeiro se recusou a abençoar a nova bandeira por causa da divisa “Ordem e Progresso”. Para ele, tratava-se de apologia à Igreja positivista.

No final, apesar da inspiração positivista, as cores da bandeira monárquica foram preservadas: o verde e o amarelo, a despeito de interpretações posteriores que tentam ligá-los às riquezas naturais do país, remetem originalmente às casas imperiais de Bragança e Habsburgo.

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Velho novo hino

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POR INCRÍVEL QUE PAREÇA, a manutenção do hino nacional monárquico foi uma vitória popular. Proclamado o novo regime, não havia uma composição oficial para glorifica-lo. A primeira adotada nos eventos oficiais foi A Marselhesa, emprestada da Revolução Francesa. O governo abriu então um concurso para a escolha de um novo hino. Mas um evento popular acabou mudando os rumos dessa história.

Em uma manifestação militar em 15 de janeiro de 1890, ao ouvir novamente A Marselhesa e outras marchas militares, a multidão começou a pedir, como quem pede “toca Raul!”, pelo velho hino nacional. Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil, decidiu deixar rolar. Há relatos de que presentes até choraram de emoção.

Na audição pública do concurso que havia sido marcado, conta-se que a qualidade média das canções era sofrível. Resultado: se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, o hino fica. A composição de Francisco Manuel da Silva,de 1822, foi mantida e a ela foi acrescentada letra de Joaquim Osório Duque-Estrada.

O concurso do governo para o hino nacional tornou-se, então, uma disputa para eleger certo hino da proclamação da República. Em 20 de janeiro de 1890, membros do governo provisório e uma plateia que lotou o auditório do Teatro Lírico reuniram-se para escolher o vencedor. Ganhou a composição de Leopoldo Miguez, para letra de Medeiros e Albuquerque, cujo refrão diz: ‘Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós!’

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Após a execução do novo hino da Proclamação da República, o povo puxou o hino nacional, como acontecera no evento militar dias antes. Não tinha para ninguém contra o maior hit do patriotismo brasileiro.

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A invenção de um herói

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(Arquivo/Arquivo)

OS PRINCIPAIS IDEALIZADORES DA REPÚBLICA, Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Benjamin Constant, não eram figuras conhecidas além dos círculos militares. A pouca participação popular tornava difícil a consagração de um mito, importante para a aceitação do novo regime. “Heróis são símbolos poderosos, encarnações de ideias e aspirações, pontos de referências, fulcros de identificação”, escreveu o historiador José Murilo de Carvalho.

Tiradentes, único dos inconfidentes mineiros condenado à morte, surpreendentemente, caiu como uma luva para o papel de herói.

O mito em torno de sua figura foi criado após sua morte. O mineiro passara quase um século na obscuridade, como traidor da monarquia. Como não havia registros de sua imagem e seus pensamentos, a República teve liberdade para criá-los: tornou-se um idealista pela liberdade do Brasil e suas representações passaram a se assemelhar com as da figura de Cristo — cabelos longos, castanhos, olhar cândido, vestes brancas, crucifixo no peito.

A República se apropriou de Tiradentes como o mártir da República. Foi a mais eficaz das tentativas dos republicanos na construção de um imaginário para o novo regime.

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Outros símbolos

ALÉM DA BANDEIRA E DO HINO, o Brasil tem por lei outros dois símbolos nacionais. Desenhado pelo engenheiro Artur Zauer, o brasão de armas foi uma encomenda do então presidente Deodoro da Fonseca. Traz elementos que representam o heroísmo, as riquezas naturais e a nobreza do país. O quarto símbolo é o selo nacional, que traz a mesma esfera celeste presente no centro da bandeira. Confira abaixo o brasão:

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As partes do brasão

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Retratos do novo regime

Trecho de “Tabuleta Nova”, de Esaú e Jacó, Machado de Assis

“Custódio confessou tudo o que perdia no título e na despesa, o mal que lhe trazia a conservação do nome da casa, a impossibilidade de achar outro, um abismo, um suma. Não sabia que buscasse; faltava-lhe invenção e paz de espírito. Se pudesse, liquidava a confeitaria. E afinal que tinha ele com política? Era um simples fabricante e vendedor de doces, estimado, afreguesado, respeitado, e principalmente respeitador da ordem pública… — Mas o que é que há? perguntou Aires.
— A república está proclamada.
— Já há governo?
— Penso que já; mas diga-me V. Excia.: ouviu alguém acusar-me jamais de atacar o governo? Ninguém. Entretanto… Uma fatalidade! Venha em meu socorro, Excelentíssimo. Ajude-me a sair deste embaraço. A tabuleta está pronta, o nome todo pintado. — “Confeitaria do Império”, a tinta é viva e bonita. O pintor teima em que lhe pague o trabalho, para então fazer outro. Eu, se a obra não estivesse acabada, mudava de título, por mais que me custasse, mas hei de perder o dinheiro que gastei? V. Excia. crê que, se ficar “Império”, venham quebrar-me as vidraças?
— Isso não sei.
— Realmente, não há motivo; é o nome da casa, nome de trinta anos, ninguém a conhece de outro modo.
— Mas pode pôr “Confeitaria da República”…
— Lembrou-me isso, em caminho, mas também me lembrou que, se daqui a um ou dois meses, houver nova reviravolta, fico no ponto em que estou hoje, e perco outra vez o dinheiro.
[…]

Aires propôs-lhe um meio-termo, um título que iria com ambas as hipóteses, — “Confeitaria do Governo”.
— Tanto serve para um regime como para outro.
— Não digo que não, e, a não ser a despesa perdida… Há, porém, uma razão contra. V. Excia. sabe que nenhum governo deixa de ter oposição. As oposições, quando descerem à rua, podem implicar comigo, imaginar que as desafio, e quebrarem-me a tabuleta; entretanto, o que eu procuro é o respeito de todos.
Aires compreendeu bem que o terror ia com a avareza. Certo, o vizinho não queria barulhos à porta, nem malquerenças gratuitas, nem ódios de quem quer que fosse; mas, não o afligia menos a despesa que teria de fazer de quando em quando, se não achasse um título definitivo, popular e imparcial. […]
Aires disse-lhe então que o melhor seria pagar a despesa feita e não pôr nada, a não ser que preferisse o seu próprio nome: “Confeitaria do Custódio”. Muita gente certamente lhe não conhecia a casa por outra designação.
Um nome, o próprio nome do dono, não tinha significação política ou figuração história, ódio nem amor, nada que chamasse a atenção dos dois regimes, e conseguintemente que pusesse em perigo os seus pastéis de Santa Clara, menos ainda a vida do proprietário e dos empregados. Por que é que não adotava esse alvitre? Gastava alguma coisa com a troca de uma palavra por outra, Custódio em vez de Império, mas as revoluções trazem sempre despesas.

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Seis diálogos (mais ou menos) republicanos

Confira abaixo conversas emblemáticas da derrocada do Império e do nascimento da República, entabuladas por alguns dos principais personagens do velho e do novo regime.

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Referências

GOMES, Laurentino. 1889. Ed. Globo, 2013.

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas – o imaginário da república no Brasil. Companhia das Letras, 1990.

SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa. Brasil: uma biografia. Companhia das Letras, 2015.

JURT, Joseph. O Brasil: um Estado-nação a ser construído. O papel dos símbolos nacionais, do Império à República. Revista Mana, 2012.

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