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A farsa da eleição que deveria tirar Raúl Castro do poder em Cuba

São 605 nomes para 605 vagas na Assembleia. Raúl continuará mandando no Partido Comunista. Sua filha e seu filho seguem no poder

por Boris González Arenas Atualizado em 11 mar 2018, 17h28 - Publicado em
11 mar 2018
17h19

O historiador cubano Boris González Arenas faz uma análise para VEJA das eleições para a Assembleia

Neste domingo, 11 de março de 2018, os moradores de Cuba foram às urnas, depositaram seu voto e, logo, 605 pessoas serão confirmadas como deputados da nação para os próximos próximos cinco anos. Neste processo, apenas terá faltado uma coisa: eleições.

Segundo a Lei Eleitoral Cubana, os futuros representantes políticos da nação são nomeados por sindicatos, organizações de massas, associações diversas e unidades militares. Eles fazem parte de um punhado de instituições oficiais que reconhecem nos seus estatutos, da maneira que a Constituição cubana faz, a hegemonia do Partido Comunista sobre o governo e o Estado. Depois de nomeados, um Comitê de Candidaturas da ditadura reduz o número total de candidaturas para o número de assentos no parlamento. No dia do voto, o dia 11, eles podem ser confirmados como deputados se obtiverem 50% mais 1 dos votos válidos. Se você não leu a palavra “cidadão” neste processo, é precisamente porque ele não cumpre qualquer função na história. Ele não nomeia, ele não compete e, finalmente, não tem nada para escolher na cédula.

No mundo, continua sendo difícil para um número grande de pessoas relacionar as liberdades políticas com a prosperidade material. Se isso acontece, é por falta de rigor, não de exemplos. O caso de Cuba seria suficiente para ensinar ao mais ingênuo. Com esse sistema de seleção de figuras do governo – não podemos chamá-los de “representantes” ou “políticos” – coexiste um salário mínimo de 9 dólares por mês e o menor número de pessoas com acesso à internet do continente. Nós, cubanos, também temos a maior porcentagem da população de todo o Ocidente que precisa de ajuda alimentar para sobreviver: 100%.

Mesmo assim, o processo de seleção de dirigentes de Cuba atraiu atenção em todo o mundo. A razão para isso é que este processo deve ser o preâmbulo de uma novidade. Pela primeira vez, em cinquenta e nove anos, pode aparecer à frente do Estado alguém sem o apelido Castro. Deve ser, pode parecer, presumivelmente. Quando falamos sobre o que acontecerá em abril próximo, quando o escolhido for finalmente anunciado para a sucessão, a imprecisão é realista. Uma Cuba sem Castos?

A população cubana, mantida a distância da designação de suas figuras de governo, desconhece os detalhes do processo que está se aproximando. Se Raúl Castro sair do poder, não será porque a lei o exige ou porque os eleitores pediram, mas porque ele próprio anunciou essa decisão pessoal há mais de uma década, quando ele sucedeu seu irmão em 2006. Sequer podemos ter certeza de que o sobrenome Castro deixará o comando do Estado. Na última década, enquanto ele governou a ilha, seu filho militar, Alejandro, e sua filha pedagoga, Mariela, galgaram posições no poder. O primeiro ganhou uma elevada posição entre os militares. Ela, por sua vez, está à frente de uma instituição de pesquisa e assistência social. É deputada e candidata a mais um mandato no Parlamento. Ambos carregam o sobrenome Castro.

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Quem não estará em nenhum órgão de decisão política será Fidel Angel Castro Diaz-Balart, o filho mais velho de Fidel Castro, que cometeu suicídio semanas atrás aos 68 anos. Durante todo esse tempo, ele ocupou diversos cargos importantes de direção científica. O incidente consagrou este episódio, de intrigas de palácios e atalhos familiares, como fonte de conflito digno de uma tragédia de William Shakespeare.

Embora nada possa ser dito deste processo ainda em curso, pode-se dizer que Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez parece ser o escolhido pelos grupos que se deslocam em torno do poder central para substituir Raúl Castro. Ele esteve vinculado à política cubana desde meados dos anos 1980. Com 57 anos, Miguel Díaz-Canel é graduado em engenharia da Universidade de Villa Clara, a província onde nasceu e onde foi Primeiro Secretário do Comitê Provincial do Partido Comunista por cerca de dez anos. Embora na corte de Fidel Castro ele não estivesse entre os mais destacados, tampouco estava longe de ter protagonismo político. A sorte que ele passou a ter durante o governo de Raúl Castro demonstra a quem ele devia seu brilho. Com a eliminação da classe política que vivia no entorno de Fidel Castro, os cargos do governo ficaram livres para os escolhidos de seu irmão. E Díaz-Canel provou estar entre elas. Após um breve período como Ministro de Educação Superior, ele foi nomeado vice-presidente do Conselho de Ministros em 2012 e, no ano seguinte, promovido primeiro vice-presidente dos Conselhos de Estado e Ministros. Esse último cargo lhe dá a aparência de sucessor, o que não foi desmentido nem confirmado por nenhum veículo de comunicação oficial. No entanto, esses meios mostram diariamente Díaz-Canel nas funções que eram de seus predecessores. Visitando camponeses nos sítios, estudantes nas escolas, soldados em unidades militares, vítimas em terras destruídas por ciclones ou trabalhadores do turismo em praias e hotéis. A hipótese não será confirmada até abril, quando o novo governo assumir o cargo.

Ao contrário de Fidel Castro, Raúl Castro decidiu governar fazendo promessas políticas para ganhar capital político. Este é um recurso que os políticos sempre podem usar, mesmo ditadores, mas que tem limites

Boris González Arenas
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O que se segue agora, depois deste domingo 11 de março, é a formação do Parlamento, um poder legislativo vago, que só se reúne duas vezes por ano por um período de cinco dias cada vez. Seus próprios membros escolhem o Conselho de Estado, um grupo de 31 pessoas que, de acordo com a Constituição, são o poder Executivo do país. Na prática, o Conselho também é o Legislativo, pois assume suas funções durante seus longos recessos de seis meses. O Presidente do Conselho de Estado é o chefe de Estado, função que Raúl Castro parece estar decidido a deixar. No entanto, não parece que ele esteja deixando o posto de Secretário Geral do Partido Comunista de Cuba. É do partido que saem cerca de 95% dos candidatos a deputados que devem ser confirmados nesta eleição. Raúl Castro também não deixará seu cargo de deputado. Ainda resta saber se, em abril, a data em que ele prometeu abandonar a presidência do Conselho de Estado, ele deixará de participar dessa instituição. Tarefas pendentes?

As promessas de um ditador

Dizer que o novo Chefe de Estado cubano tem tarefas pendentes é um eufemismo. O sucesso do governo de Raúl Castro tem sido semelhante ao que poderia ser considerado como o governo de seu antecessor e irmão. Ele manteve o poder em uma situação de crise permanente. Ao contrário de Fidel Castro, no entanto, Raúl Castro decidiu governar fazendo promessas políticas para ganhar capital político. Este é um recurso que os políticos sempre podem usar, mesmo ditadores, mas que tem limites. No início de seu mandato, Raúl Castro prometeu que ele irá se esforçar para alcançar uma melhoria econômica. Ele até anunciou que era a batalha principal de seu governo. A frase encabeçou os panfletos oficiais e impregnou as reuniões de burocratas e de militares até que o petróleo venezuelano deixou de fluir.

Progressivamente, o triunfalismo caiu no esquecimento. O crescimento econômico ínfimo dos últimos anos parece mais um sucesso na manipulação de estatísticas oficiais do que de nossas indústrias. Uma vez que as condições de acolhimento extraordinário que os cubanos deram aos Estados Unidos foram fechadas, a mídia não oficial afirma que os países latino-americanos experimentaram um aumento recorde nos pedidos de asilo, de residência e de imigrantes ilegais. Isso tudo é um testemunho de que, para os cubano, a opção continua sendo a de abandonar o país.

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A iniciativa privada, estimulada durante a primeira metade do mandato de Raúl Castro, começou a mostrar sinais de exaustão em meio a um ataque oficial contra as autorizações de negócios mais lucrativos. A partir de meados de 2017, as licenças para exercer o aluguel de casas e os serviços de restaurante e de cafeteria foram interrompidas. Ao mesmo tempo que o Estado e o governo, o castrismo tem como padrão diminuir a concorrência que os microempresários independentes fazem para a crescente infra-estrutura turística oficial. Limitando o crescimento dos trabalhadores privados, o governo conserva uma mão-de-obra abundante e barata de onde pode tirar garçons, porteiros, vendedores e empregados de limpeza que estão dispostos a trabalhar em hotéis de luxo por 18 dólares por mês.

As reformas políticas também entraram na lista de promessas do atual chefe de Estado. Raúl prometeu uma reforma constitucional e a reforma da lei eleitoral. A imprensa oficial chegou a anunciar em 2015 que o processo eleitoral atualmente em curso já estaria sob essa nova legislação. Tudo caiu no vazio.

A dualidade monetária, que faz com que duas moedas coexistam no mercado cubano, uma equivalente ao dólar e outra de valor muito mais baixo, esteve prestes a desaparecer em muitas ocasiões. Várias matérias oficiais chegaram a declarar que esse modelo seria abandonado. Isso também não foi feito. De acordo com especialistas, a existência de duas moedas torna impossível conhecer o valor real dos produtos, pois, no nível corporativo, o peso cubano, com preço de 24 unidades para cada 1 dólar, tem uma taxa de câmbio estatal que o equivale à moeda americana. Em qualquer produto acabado, a soma do custo em dólares e em pesos cubanos, ao não receber a conversão realista de 24 unidades por dólar, dá um preço final impossível de competir não apenas no mercado internacional, mas também no mercado interno. O resultado dessa inépcia é que Cuba depende da importação há várias décadas. Loucura que temos de importar de países vizinhos legumes, frutas e vegetais que poderiam crescer facilmente em qualquer um dos nossos quintais.

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Transição ou transmissão de poder?

Além de toda essa tragédia que tem diante de si, Miguel Díaz-Canel terá de enfrentar obstáculos não menos perigosos. Logo depois de assumir o poder, o escolhido terá de mostrar que é a figura certa para mediar entre seus diferentes círculos. Se o império de Fidel Castro era percebido como uma instância individual, o de Raúl Castro foi corporativo. Os velhos generais que olham com receio o surgimento de novas figuras civis e militares querem ter certeza sobre o destino de suas famílias e de suas heranças na nova ordem. As novas elites que cresceram à sombra de Raul Castro viram muito perto a varredura implacável sofrida por seus pares na administração anterior, de Fidel, para não temer um fenômeno semelhante com Díaz-Canel. Como se isso não bastasse, Raúl Castro continuará a liderar a festa e os nomes hegemônicos continuam sendo seus velhos amigos no Exército. Se a palavra transição implica reformas econômicas e políticas substanciais, Cuba está muito longe disso. À primeira vista, a mudança que está chegando é uma transferência altamente supervisionada. Há mais dúvidas do que certezas no futuro de Cuba.

Boris González Arenas (1976) é um opositor político, defensor dos direitos humanos e jornalista independente cubano. É membro da Mesa de Unidade de Ação Democrática (MUAD) e participa da Plataforma Cidadã #Otro18 que promove a modificação da legislação eleitoral de acordo com os princípios democráticos. Pai de dois filhos. Vive em Cuba.

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